quarta-feira, 28 de outubro de 2009
Cansaços
sexta-feira, 25 de setembro de 2009
Uma questão de prefixos
Des-ânimo,
Des-contentamento,
Des-espero,
Des-norte,
Des-governo,
... ,
Guião do 5º Encontro de Preparação para o Crisma
- Podemos comparar o Espírito a um jornal, com dois dossiers interligados: o dossier Eu, e o dossier Deus.
- Como qualquer jornal, é preciso lê-lo para conhecer o seu conteúdo. Posso ler só os títulos, ou também o desenvolvimento das notícias (a minha história e a história da Salvação) e os comentários dos colunistas (as pessoas que me conhecem melhor, alguém mais experimentado do que eu na Fé).
- Uma leitura profunda deste jornal e uma vontade decidida de subscrever as suas ideias TRANSFORMAM-ME: este é um aspecto central a nossa Fé. O Espírito tem uma natureza transformacional. O Espírito converte, no dia-a-dia, o meu olhar, as minhas palavras e as minhas atitudes. É, simultaneamente mapa e bússola, porque me ajuda a inventariar os caminhos possíveis e me permite decidir qual é o melhor para mim. Não se trata, assim, de uma Fé geral e normativa mas concreta e dinâmica.
- O Espírito já foi oferecido à Humanidade (Pentecostes) e a mim próprio (Baptismo). Eu já estou no Espírito. “Muitos são os chamados mas poucos os escolhidos”: todos receberam o Espírito mas nem todos lhe aderem; todos estão envolvidos pelo Espírito mas nem todos o absorvem. O Escolhido é, curiosamente, aquele que escolhe seguir o Espírito; é Escolhido no sentido em que, depois de ele próprio escolher, essa escolha é assumida por Deus. Como Deus só pode assumir a escolha de quem efectivamente o escolheu, poucos são os Escolhidos. Mas, à priori, todos fomos escolhidos à data da nossa Criação.
- Através do Espírito manifesta-se o poder de Deus: nos milagres quotidianos (dos quais mais um dia da minha vida é o maior de todos) e nas pequenas tarefas do meu dia posso superar-me e ser testemunho de Deus, pois o “Espírito do Senhor ungiu-me”, à semelhança de Cristo, “para ser luz entre as nações”.
Mesa de Trabalho
- João…
- Diz!
- Vai encher a minha garrafa de água… Vais?
- Não.
- Vá lá…
- Agora não posso, Margarida …
- És um chato, percebes?... Nunca mais falo contigo. Vá lá…
- Hum…
- Vais?
- Daqui a um bocadinho.
- Mas tem de ser agora!
- Agora não posso.
- Ó João! Tu prometeste!
- Não prometi nada!
- Prometeste sim, que eu ouvi. És um mentiroso, percebes?...
- Não sou nada.
- És! Um grande mentiroso. Vou pedir ao Paulo… Paulo! Vai encher a minha garrafa!... Vais?
.
.
- Sim…
- O nosso post?
- Ainda não está.
- Ainda não está?! Mas tu tiveste o fim-de-semana todo!...
- Mas não estava inspirado, Rita…
- Já viste, Margarida? O João ainda não fez o nosso post. Cá para mim, nunca vai fazer!
- Eu não falo com ele. Ele é um grande mentiroso.
- O João deve estar mais entretido a fazer campanha, não é, João?... Hoje até trouxe a sua gravata Príncipe de Gales.
- O que é que tem a minha gravata Príncipe de Gales?...
- Nada. Nós já sabemos que tu pertences à Opus Dei.
- Rita, eu já te disse que não sou da Opus Dei.
- Então és do quê?
- Não sou de nada.
- Margarida, o João é militante da JSD.
- Não sou nada!
- Ai não? Então que livro é que tens aí?...
- É um livro de filosofia política.
- Já viste, Margarida?... O João é mesmo estranho.
- Aaargh!!
- Ih ih! Já conseguimos irritar o homem.
quarta-feira, 23 de setembro de 2009
Um novo modelo de diplomacia
terça-feira, 22 de setembro de 2009
Da Ética e do Direito
Confiança
- Deixe-me dizer-lhe que...
- Não diga. Eu sei.
Ele hesitou.
- Será que você também...?
Ela cobriu-lhe a boca com os dedos, suavemente.
Olharam-se.
sexta-feira, 18 de setembro de 2009
Descomplicando
- Porque é que você é tão complicado?
Ele abanou a cabeça.
- Nem eu sei…
- Então descubra!
O homem riu-se.
- Como se fosse assim, fácil…
- É por ser fácil de você não o faz. Só gosta de coisas difíceis. Despreza o simples.
O homem ficou pensativo.
- Pois…
Tarde Vos Amei
tarde vos amei! Eis que habitáveis dentro de mim,
e eu lá fora a procurar-vos.
Disforme, lançava-me sobre estas formosuras que criastes.
Estáveis comigo, e eu não estava convosco!
Retinha-me longe de vós aquilo que não existiria,
se não existisse em vós.
Porém, me chamastes, com uma voz tão forte
que rompestes a minha surdez.
Brilhastes, cintilastes e logo afugentastes a minha cegueira!
Exalastes perfume: respirei-o suspirando por vós.
Eu vos saboreei, e agora tenho fome e sede de vós.
Vós me tocastes e ardi no desejo da vossa paz.
quarta-feira, 17 de junho de 2009
Jogar às Escondidas
- Não vale espreitar!
- Quatro, cinco…
- Oh Teresinha, tu estás a ver!
- Seis… Está quase! Sete…
- Oh, não jogo mais!”
- Lembra-se, António? Você perdia sempre…
- Oh, Teresinha! Você é que era uma batoteira!
- E você continua um mentiroso. Hoje não almoça! Está a ficar gordo e feio.
Ele aproximou-se.
- Pois olhe que você está cada vez mais bonita…
- Seu graxista! Não almoças na mesma.
O avô riu-se.
- Passámos a vida a jogar às escondidas, não foi, Teresa?
Ela olhou ternamente para ele.
- Foi. Mas eu não pensaria duas vezes se…
Entretanto, os miúdos chegaram da escola e começaram aos saltos pela casa, invadindo-a de canções e palhaçadas. O avô aderia às brincadeiras, sorridente, enquanto a avó abanava a cabeça, endireitando as almofadas do sofá. Por fim, seguiram para a mesa. António reparou que a mulher o olhava com aquele olhar imenso que só os mais velhos sabem fazer. Ela confessou, enternecida:
- Vê o que eu lhe dizia?...
Ele pareceu confuso. Ela segredou-lhe, endireitando-lhe a camisa:
- Venha almoçar…
- Então, afinal já posso?... – perguntou ele, brincalhão.
Ela fugiu. Mas, quando já estava na saída para o jardim, onde a mesa de Verão os esperava, virou-se, e disse:
- Eu menti… Você continua tão bonito como dantes.
E saiu.
terça-feira, 9 de junho de 2009
Discurso para o Dia de Portugal
Senhor Presidente da Assembleia,
Senhor Primeiro-Ministro,
Senhores Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça, do Tribunal Constitucional e dos demais Tribunais Superiores,
Antigos Presidentes da República e Presidentes da Assembleia da República,
Senhoras e Senhores Ministros,
Senhoras e Senhores Deputados,
Senhores Representantes do Corpo Diplomático,
Altas autoridades civis e militares,
Senhor Cardeal Patriarca de Lisboa, Eminência Reverendíssima,
O dia que celebramos é um dia retrospectivo, que nos recorda os grandes feitos dos nossos antepassados. É um dia em que nos toca a grandeza da nossa história, a elevação dos homens que a fizeram e o impacto que produziram no seu tempo.
Portugal mudou o Mundo. Nas palavras do grande Luís de Camões, que também hoje recordamos, Portugal deu, inclusivamente, novos Mundos ao Mundo. A esfera armilar foi um eixo de língua portuguesa, através do qual a nossa cultura cruzou oceanos, impregnando a terra de marcas que perduram.
Neste dia, chega-nos a bravura dos nossos marinheiros, a determinação dos nossos restauradores e a destreza dos nossos missionários; ilumina-nos o espírito dos nossos visionários e a fé do nosso povo; esclarece-nos a sabedoria da tradição e a fidelidade à bandeira.
Recordamos, hoje, também os perigos e guerras esforçados, o sangue que a República derramou e as lágrimas que a Liberdade escorreu. Porque a chama de identidade que arde nos nossos corações não foi acesa por nós, mas por aqueles que nos precederam, com pesados e silenciosos sacrifícios.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Portugal é uma pátria transformacional. O vínculo do desafio, do progresso, da mudança, é-nos intrínseco.
Antecipando o Mundo, construímos a novidade; abraçando a diferença, cruzámos muitas raças; persistindo no sonho, conhecemos a liberdade.
Muitas vezes dobrámos o Cabo das Tormentas e tantas outras conversámos com a morte. Nós, portugueses, somos um povo de honra e de missão, que vela o bem-estar dos seus filhos e a dignidade da nação antes mesmo de guardar a própria vida.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Há uma voz que clama: “Renovai as obras da vossa História”. É, aliás, um coro de vozes, as vozes dos nossos antepassados, que agonizam na inércia do nosso gesto e no silêncio da nossa ideia.
O desânimo e o desinteresse têm manchado a nossa política interna. O povo, fatigado pela corrupção e pela ineficácia, afasta-se do Estado, divorciando-se das suas necessidades e questionando os seus meios. O sistema é atacado pela sua maior ameaça, o abandono, que o deixa mais frágil e mais vulnerável.
Este dia deverá então ser, sobretudo, um dia prospectivo.
O passado quer inspirar o futuro mas carece de obreiros. O vento dos tempos pretende guiar-nos, mas precisa que desfraldemos as nossas velas. O povo quer ser mobilizado, mas necessita de líderes.
A vós compete tão sublime execução. É o vosso exemplo que o povo reclama e é nas vossas palavras que o povo quer encontrar direcção. A coerência do Estado e das suas instituições é o verdadeiro instrumento de mobilização social, ainda que secreto e silencioso.
Como podereis exigir justiça, se faltardes à verdade?
Como falareis de solidariedade, se vós mesmos fordes egoístas?
Como conseguireis renovar, se fordes a imagem do vício e do hábito?
Ao cabo da Boa Esperança só se chega de mapa. As nossas embarcações precisam de rumo, o povo exige uma estratégia.
As comunidades da diáspora juntam-se a nós neste grito de unidade, que clama por governantes sábios e servidores.
A liberdade, ameaçada pela corrupção e pela miséria, subscreve a nossa exigência. E o cansaço de frustrações anteriores reveste de urgência a necessidade de uma resposta.
Unidos a todos os povos que aspiram o progresso e a justiça,
Conscientes do nosso lugar no Mundo e na História,
Certos de que a nossa causa é nobre e urgente;
Hoje, dia de Portugal e das Comunidades, erguemos a bandeira que reconstrói a história do nosso futuro.
Viva Portugal!
A Sabedoria do Homem Espiritual
Santo Efrém nasceu em Nísibe, na Mesopotâmia, por volta do ano 306. Tendo sido ordenado diácono, exerceu o ministério na sua pátria e em Edessa, de cuja escola teológica foi fundador. A sua vida de intensa ascese não o impediu de se consagrar ao apostolado da pregação e de escrever diversas obras para combater os erros do seu tempo. É uma referência na tradição oriental da Igreja; os seus escritos constituem um marco por olharem o Cristianismo longe da mentalidade greco-romana, em razão do ambiente sírio em que cresceu. Morreu no ano 373, tendo sido proclamado doutor da Igreja em 1920.
“Fazei resplandecer, Senhor, o dia luminoso da vossa ciência e dissipai as trevas nocturnas da nossa alma, para que seja iluminada e Vos sirva renovada e pura. (…)
Nós Vos pedimos que, através daquela beleza espiritual que a vossa vontade imortal faz resplandecer mesmo nas criaturas mortais, nos leveis a compreender rectamente a beleza da nossa própria dignidade. A vossa crucifixão, ó Salvador dos homens, foi o termo da vossa vida corporal: concedei-nos que, pela crucifixão do nosso espírito, alcancemos o penhor da vida espiritual. A vossa ressurreição, ó Jesus, faça crescer em nós o homem espiritual e os sinais dos vossos sacramentos no-lo revelem como num espelho, para o conhecermos cada vez melhor.Na economia da vossa salvação, ó Salvador dos homens, está configurada a imagem do mundo espiritual: concedei que nele corramos como homens espirituais. Não priveis, Senhor, a nossa mente da vossa revelação espiritual, nem afasteis dos nossos membros o calor da vossa suavidade. (…)”
In “Sermões”, Santo Efrém
segunda-feira, 8 de junho de 2009
As Falsas Oportunidades
E, levando-o em sonhos ao pináculo do templo, onde séculos antes levara Jesus, mostrava-lhe tudo o que ele poderia ter, imediatamente.
- Vamos, só tens esta oportunidade! Porque esperas? Rápido, faz!
Ouvia-se uma música nervosa.
- Olha, todos o fazem!... Não me digas que vão todos para o Inferno… - dizia, com um sorriso malicioso.
O convite era cheio de uma sedução estranha, incómoda.
- Vejamos: não é assim tão mau! Não sendo óptimo, também não é nada de dramático. Se pensares bem, até pode acabar por gerar benefícios… Vai fazer-te bem. Tu precisas disto!
O homem cheirava o engano daqueles argumentos, mas a retórica do diabo era hábil e em forma de novelo.
- Espera: não é o teu Deus que perdoa sempre? Ele há-de perdoar-te mais uma vez, então. Lembra-te do filho pródigo. Não irá ele salvar a ovelha perdida? Acaso não é cheio de misericórdia?
Depois começou a falar freneticamente, a atormentá-lo, não lhe saindo da cabeça e, sobretudo, a sussurrar-lhe: é uma fatalidade, vais acabar por ceder. Enfraquecia-o, cansando-o.
Porém, o anjo veio em seu auxílio, trazendo consigo o espírito da Verdade. E disse, referindo-se ao pecado:
- Tu queres mesmo fazer isso?
O homem pensou por uns instantes. E, caindo na conta de si mesmo, respondeu, surpreendido:
- Não.
- Lembra-te: a acção livre é fruto da vontade e não da possibilidade. Não vás para a praia se não quiseres, ainda que esteja um sol extraordinário.
Ele consentiu.
- Diz-me: essa acção é boa ou má?
Ele não se demorou sobre o assunto.
- É má.
- Lembra-te: o mal é absoluto e injustificável. Não se torna mais aceitável por existirem outros males mais graves, nem mais legítimo por muitos o fazerem. Não roubes uma pastilha só porque há quem mate.
O homem concordou.
- E agora diz-me: tu acreditas que Deus perdoa sempre os teus pecados?
Ele respondeu, com devoção:
- Sim, eu acredito.
- Ele perdoa, de verdade. Diz-me ainda outra coisa: tu amas Deus?
- Eu não sei amar; mas, através do Espírito, amo-o de verdade.
- Lembra-te então: A fidelidade é uma questão de amor e não de medo. Muitos são fiéis por medo das consequências e não por quererem o melhor para o outro. Tu, porém, sê diferente, para que a misericórdia de Deus seja motivo da tua Esperança e não razão da tua queda. Coragem!
E desapareceu. Quando o diabo voltou a falar, o homem começou a rezar baixinho:
Em Vós, Senhor, me refugio; jamais serei confundido.
pela vossa justiça salvai-me.
Inclinai para mim os vossos ouvidos;
apressai-Vos em libertar-me.
Sede a rocha do meu refúgio,
e a fortaleza da minha salvação.
Porque Vós sois a minha força e o meu refúgio,
por amor do vosso nome, guiai-me e conduzi-me.
Livrai-me da armadilha que me prepararam,
porque Vós sois o meu refúgio.
Em vossas mãos entrego o meu espírito;
Senhor, Deus fiel, salvai-me.
Detesto os que adoram ídolos falsos;
eu, por mim, confio no Senhor.
Hei-de alegrar-me e regozijar-me com a vossa misericórdia,
pois vistes a minha miséria
e conhecestes a angústia da minha alma.
Não me entregastes nas mãos do inimigo,
mas destes aos meus pés um caminho espaçoso.
Mas eu confio em Vós, Senhor;
e digo: "Vós sois o meu Deus.
O meu destino está nas vossas mãos;
livrai-me dos meus inimigos e perseguidores.
Brilhe sobre o vosso servo a luz da vossa face;
salvai-me pela vossa misericórdia."
quinta-feira, 7 de maio de 2009
O Tira-Crises
sexta-feira, 1 de maio de 2009
Imprevistos VI
Depois de agarrarem num mapa velho, olharam para o carro, e riram-se. O mini estava cheio, tão cheio que Miss Blackberry teve de entrar de uma maneira estranha.
- Ah!! Estás a chamar-me gorda! - disse Carmo, batendo-lhe com a almofada.
Ele riu-se.
Mas nada se poderá comparar àquele momento em que ela ligou o carro, em que começaram a transbordar aventura, cheios de vontade de gritar e, sobretudo, de acelarar.
- Mas vês quem sai a guiar?... - disse Carmo, triunfante.
- Isso é só Marketing. - disse ele, com um ar muito sério - Para cativar o público feminino, percebes?...
- Estúpido!
Não paravam de se rir sem saberem bem porquê. Cada vez que olhavam um para o outro, riam-se mais ainda, ao ponto de Mr ..... ter de gritar "Cuidado!", quando se aproximava um camião em sentido contrário.
- Porque é que o nome dele tem um espaço? Ainda não escolheste?
Ele abanou a cabeça. E disse:
- Adivinha quem vai escolher...
E aí, ela olhou uma última vez para ele, com aquele olhar que só ela sabia fazer e que o deixava embriagado.
- Pára o carro.
- O quê?
- Pára.
Miss Blackberry parou no meio da interminável estrada que cruza o deserto do Texas. Então, Mr .... saíu, contornou o carro, e abriu a porta dela. Rendido, encostou a cabeça à ombreira da porta e agarrou suavemente a cabeça dela. E, olhando-a nos olhos, disse-lhe, numa voz rouca: «Amo-te».
Ela sorriu, abanando a cabeça.
- Mr. Dreamer...
A Verdade
- Ainda não chegou, está atrasada.
- Mentira! A Verdade nunca se atrasa. Senão, deixaria de ser Verdade.
- Compreendo. Nesse caso, estará seguramente aqui, apesar de não a vermos.
segunda-feira, 27 de abril de 2009
A Casa sem Paredes
segunda-feira, 13 de abril de 2009
O Espaço e o Tempo
quinta-feira, 2 de abril de 2009
Quaresma
pela hora que passa,
pelo sonho do fundo da noite
que mantém vigilante o nosso desejo do Encontro.
Nós te damos graças
porque no grito da vida nua,
no labor e no repouso nos procuras.
Nós te damos graças
porque o teu Filho com as suas mãos tocou
a luz e a treva de que somos feitos
e nos enxugou as lágrimas
quando a navalha da morte nos feriu.
Nós te damos graças
porque nos saras do sistema mundano do agir
e nos emprestas a coragem que falta
para atravessar o mar das palavras sufocadas
e renascer através do esquecimento de nós próprios.
Nós te damos graças
pelo sopro que revigora o junco esmaecido
e nos liga ao caminho que nos leva à vida.
(...)
O Caranguejo
Nada é impossível, amigo Xavier.
quinta-feira, 26 de março de 2009
Duarte Noronha
- Eminência! – soltou o ancião, curvando-se respeitosamente.
O cardeal estendeu então o braço para o claustro, convidando o frade para um passeio.
- Vejo que a idade tarda em fazer em ti o seu efeito, meu velho.
O frade sorriu o gentil sorriso dos sábios.
- Não caiu sobre mim o peso da mitra, padre…
O cardeal respondeu com um sorriso distante, de quem regressa, em sonhos, à juventude.
- Como são os teus dias, meu amigo?...
- Em tudo iguais aos que conheceste, há vinte anos atrás. Leio, estudo, medito… Escrevo qualquer coisa. E os teus, Duarte?
O cardeal levantou o solidéu encarnado, penteando vagarosamente os cabelos grisalhos. Encostou-se então a uma das colunas que suportavam os arcos góticos do claustro, demorando o olhar na pequena fonte que existia no seu centro. E soltou:
- Como são diferentes os olhares do corpo e da alma… A idade ataca o olhar do corpo, que vai perdendo nitidez; por sua vez, o olhar da alma aumenta de precisão com o bater compassado do tempo…
- À alma agrada a distância. Aos olhos, não.
O cardeal suspirou. E soltou:
- Felizes os cegos, pois apenas vêem com a alma.
- Mais felizes os videntes que fecham os olhos para poderem ver melhor.
O cardeal abanou a cabeça.
- A minha alma desobedece-me, padre.
Frei Ritto sorriu levemente.
- Essa é uma notável propriedade do espírito. Repara: o corpo é tão obediente face à vontade que mal se distingue a sua ordem da execução. Mal dizes à tua perna: “Anda!”, já ela está em movimento. Quanto à alma, ordenas-lhe: “Converte-te!” e ela não revela similar diligência. O próprio Agostinho começa por chamar-lhe prodígio…
- O que conclui então o santo?
- Que a alma obedece à vontade na proporção do querer. Se se trata de uma vontade tíbia, coxa, mole, a alma há-de oferecer-lhe uma resistência feroz. Se, pelo contrário, se tratar de uma vontade sólida e dedicada, há-de obedecer-lhe com fidelidade bem maior que a do corpo.
O frade fez menção de seguir, mas o cardeal tomou-lhe o braço.
- Espera.
O frade olhou-o nos olhos. E perguntou:
- Porque me procuraste?
O cardeal ficou em silêncio.
- Não é a mim que procuras, mas a ti.
O frade abraçou-o fraternamente.
- Anda depressa, tenho de te mostrar uma coisa.
Frei Ritto levou o cardeal até à sua cela e apontou para uma cadeira velha que lá estava, dizendo-lhe que se sentasse. Depois, procurou uma caixa debaixo da sua cama e, destapando-a, começou a retirar folhas de diferentes tamanhos, densamente escritas, salpicadas por fotografias. O cardeal começou a vê-las, e apercebeu-se que falavam de si. Eram memórias de momentos importantes da sua vida, de aprendizagens, de experiências, de amizades, um inventário de milagres que aconteceram e que ele já mal recordava. Aquelas folhas transformaram-se numa sonda interior e profunda que o levava para junto de si. E há medida que as passava, ia sorrindo com uma enorme paz.
- Conheço-te desde que nasceste, Duarte…
Frei Ritto olhava pela pequena janelinha da cela, que dava para um jardim solarengo.
- Todos precisamos de sentir que pertencemos a uma história, pois é ela que nos dá identidade e nos faz sentir amados. Lembra-te de ti, e saberás quem és.
O cardeal acenou com a cabeça. Deixou-se estar a olhar o frade por uns momentos. E soltou, intrigado:
- Porque é que os pais me chamaram Duarte?
quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009
Imprevistos V
- Acha que merece?... – perguntou ela, apontando para a roupa molhada.
Ele riu-se.
- Tenho uma camisa que lhe vai ficar lindamente.
Cheirava a café. Luís correu a desocupar o sofá que estava cheio de livros.
- Desculpe a desarrumação…
- Como se eu já não soubesse! – disse, olhando para a lareira que crepitava – E esse café?...
Ele foi buscá-lo. E, na tampa da cafeteira, trouxe, enrolada, uma folha escrita a preto.
- Já reparou que o café sabe melhor quando traz um imprevisto consigo?
- Só conhecia as frases dos pacotinhos de açúcar… - respondeu ela, desenrolando a folha.
Leu-a. E abanou a cabeça, sorrindo.
- Você…
Ele envolveu a chávena de café com as mãos, olhando-a, de seguida.
- Inspiras-me…
Ela corou.
- Esta casa é… - disse, levantando-se, e olhando pela janela que deitava para a encosta do castelo – igual a ti…
E virou-se para ele. Ficaram a olhar-se por um instante. Ela voltou a distrair-se na janela. Luís ergueu-se, e foi abraçá-la por detrás dos seus ombros. Continuava a chover abundantemente.
- Estava tudo muito certinho antes de eu aparecer na tua vida, não estava?... – perguntou ele, em segredo.
Ela virou-se, irritada, e fitou-o.
- Sim, estava, seu…
Ele beijou-a ternamente.
- Mas assim é muito melhor, blackberry.
Ela riu-se.
- O que é que eu tenho a ver com amoras?...
- Se tu fosses uma fruta serias uma amora silvestre. Das escuras… Meeting Miss Blackberry, é assim que lhe vou chamar. Gostas?...
Ela acenou, devagarinho, e deixou que ele a beijasse sob o som cruzado da chuva e da madeira em brasa a estalar.
A pequena folha da cafeteira escorregou para o chão, pousando sobre o tapete. Poderia então ler-se, numa letra discreta: “Estou a escrever um livro para ti.”
terça-feira, 10 de fevereiro de 2009
Considerações sobre a Corrupção
2. A corrupção emerge, ou da necessidade, ou da ganância.
3. O combate eficaz da corrupção, ao nível preventivo, situar-se-á, portanto, em dois planos: (a) a promoção do bem-estar económico-social e (b) a moralização da sociedade.
4. A noção de impunidade multiplica a corrupção.
5. A eficácia judicial será assim o terceiro plano do combate à corrupção ao nível preventivo.
A Perdição
Não escreveu uma só palavra,
Não pintou nenhum retrato,
Não compôs qualquer música.
O belo eras tu.
Fascinada, a Arte quis olhar-te sob todos os seus prismas,
Fotografando-te e esculpindo-te no seu imaginário,
Dançando e cantando em redor dos teus ombros.
Tu ficaste num misterioso silêncio.
Quis a Arte esconder-te para não seres descoberta,
Morrendo de ciúme e de medo do lânguido acenar da Matéria,
Que, de dentro, te prometia os seus demorados prazeres.
Tu insinuaste-te à Matéria.
E a Arte, ao ver-te escapar dos seus pincéis, enlouqueceu,
Numa fúria de desejo cego que te afastava ainda mais,
Perdendo-se, só, numa miragem de dor aguda.
Tu dissipaste-te.
A Arte odiou-te na sua ruína.
quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009
Carta de um Missionário Distante
Esta carta não faz qualquer menção temporal; não conseguimos, portanto, datá-la. Não encontrámos nenhum registo da existência de Pedro Moniz. Tão pouco nos pronunciaremos quanto à natureza dos seus escritos, apenas os publicando, neste espaço, pela singela marca da sua assinatura, a saber: «Pedro Moniz, Alegre Servo do Senhor».
Meus Irmãos;
Queira Deus que através das minhas palavras encontre consolo a vossa tribulação. Eu, enviado por Cristo a falar-vos do Evangelho, em Cristo partilho a vossa inquietude, que é uma marca da condição humana. Mas nem assim se afasta o meu coração dos firmes propósitos que o Senhor me comunicou, pois sei em quem pus a minha confiança.
O mundo convida-nos permanentemente a moldar o nosso desejo e vontade às circunstâncias. Pois eu digo-vos: sede como mexilhão firme, incrustando-vos no Senhor Jesus; não sejais como as algas, que apenas seguem o movimento das marés. Não confundais a flexibilidade cristã, que é fruto da confiança e da disponibilidade, com o relativismo pagão, que vos leva para longe da vontade verdadeira. Vós, que sois relativos, encaixai-vos apenas no absoluto, que é o único que vos pode completar. Se um relativo se alimentar de coisas relativas, como poderá exceder-se? Vós sois vasos, e não os seus moldes. Não vos afasteis da vossa natureza de decisores, deixando que outros escolham por vós. Se o sal perder o seu sabor, é inútil e é lançado fora. Antes conquistai os outros com o vosso sal intenso, para glória do vosso Pai que vos olha e ama.
A cidade move-se depressa e a toda a hora sois solicitados para novas coisas. Lembrai-vos que nada nos foi proibido, mas nem tudo nos convém. Vós quereis fazer a vontade de Deus, mas andais divididos na forma de a conhecer. Confiais em demasia no juízo da vossa mente, que é hábil e eloquente, e desconfiais da linguagem do coração, que é sábia e iluminada. Eu digo-vos: à semelhança de Maria, ponderai todas essas coisas no vosso coração. Não vos deixeis guiar pelas sensações; porém, não chameis de sensação à voz ardente que fala no interior do vosso coração. Construí uma ponte entre o coração e a razão para que colaborem na descoberta da Verdade, ao invés de divergirem. Se a vossa perna direita discutir com a esquerda, querendo ir uma para a frente e outra para trás, acaso chegareis a algum lugar? Do mesmo modo que o vosso corpo está coordenado, coordenai o vosso interior. Este é o vosso trabalho: preparar o caminho do Senhor dentro de vós.
No mais, não vos inquieteis, pois uma só coisa é necessária. Vós sois de Cristo e, por isso, aspirais viver em amor. Como nada nos pode separar do amor de Deus, já sois amados, de forma incomparável; amai muito, e assim completareis a vossa aspiração. Do mesmo modo, se muito amardes, muito vos será perdoado. Vencei o pecado através do amor e não da regra. Este será um sacrifício agradável a Deus que vos aproximará do Seu modo, pois Deus é perfeito e a caridade é o vínculo da perfeição.
Lembrai-vos em cada momento de desânimo que Deus vos segreda: és precioso a meus olhos. E em cada vez que a sombra da dúvida vos fizer hesitar entre o bem menor e o bem maior, procurai, na vossa alma, o fogo ardente de Cristo que sussurra: Tu, segue-me.
Convosco, em Cristo,
Pedro Moniz,
Alegre Servo do Senhor
quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009
O Sem-Graça
Era uma vez um senhor que vivia na América…
- Oh mãe, onde é que fica a América?...
- Fica do outro lado do mar.
- Aaah… Mas dá para ver na praia?
- Não… É muito, muito longe…
Na América, as pessoas recebem, todas as manhãs, um jornal à porta de casa. Quando abrem a porta, o jornal já lá está à espera!...
- Ah! É como no Natal?
- Sim…
- Então na América é Natal todos os dias! Podemos ir viver para a América?
A mãe riu-se.
Só que o jornal que esse senhor recebia era diferente de todos os outros. Normalmente, os jornais contam as coisas que aconteceram no dia anterior. Mas esse jornal contava as coisas que se iam passar nesse dia!
- Então ele já sabia o que ia acontecer?
- Sim! Assim podia antecipar as coisas. Nunca tinha problemas, porque já sabia o que ia acontecer. Já sabia onde ir, o que fazer, o que decidir.
- E até já sabia ao que é que ia brincar?
- Sim. Sabia tudo.
- Aaah… Oh mãe, mas assim não tem graça nenhuma!...
Imprevistos IV
Quando ela chegou aos pastéis, reparou que ele estava encostado à entrada, a escrever distraidamente no caderno que trazia sempre consigo.
- O que é que está a escrever?...
Olhou para ela, por instantes.
- Uma coisa para si.
- Pensava que fosse um livro…
Ele ficou na dúvida.
- Você sabe?
Ela riu-se.
- Não me vai oferecer um pastel?
Entraram. E conversaram muito tempo, naquele jogo de sorrisos e olhares, avançando e recuando, como quem dá e tira, atraídos por aquele mistério de sedução.
Ele disse uma última piada. Ela riu-se bastante.
- Você é tão parvo! – disse, tentando bater-lhe no ombro.
- E você é muito engraçada.
- Não sou nada.
- Isso é só para eu insistir…?
- Não…
Ele riu-se.
- É claro que é!
Ela sorriu. Já sabia o que aí vinha.
- Pare de tentar adivinhar-me. Não vai conseguir.
- Já consegui, não foi?
- Não!
Ele aproximou-se.
- De certeza?
Olhava para ela intensamente.
- Pare!
Falava cada vez mais baixo.
- Diga que não quer…
- Não quero!
Já podiam sentir a respiração um do outro. Ele desviou o olhar para a boca dela, que o hipnotizava. E, vencendo o escasso sopro que os separava, beijou-a.
quarta-feira, 28 de janeiro de 2009
Arístides de Sousa Mendes
Basta-me escrever o meu nome, para evitar que outro nome se transforme numa memória.
E o Consulado? Seria destituído, com toda a certeza! O fim da minha carreira... A vergonha do meu nome.
Uma assinatura minha salva uma vida.
Basta-me escrever o meu nome, para evitar que outro nome se transforme numa memória.
E depois, que fazer? Ninguém se atreverá a dar-me trabalho! E as meus filhos? E a minha mulher? De que irão viver?
Uma assinatura minha salva uma vida.
Basta-me escrever o meu nome, para evitar que outro nome se transforme numa memória.
E a Pátria? Serei eu contado entre os traidores? Será algum dia reposta a justiça? Será que Deus se lembrará deste gesto?
Uma assinatura minha salva uma vida.
Basta-me escrever o meu nome, para evitar que outro nome se transforme numa memória.
-
Arístides de Sousa Mendes é um desses bravos homens que aceita, de cabeça erguida, fazer uma escolha que não queria ter de fazer. De onde me é dado que a minha assinatura possa salvar uma vida? Arístides oferece não uma, mas vinte mil, que salvaram outros tantos judeus que conseguiram o livre-trânsito assinado pelo cônsul de Bordéus, à revelia das autoridades portuguesas.
Aristides morreu pobre e desacreditado para os homens. Muitas grandes histórias só têm um final feliz no céu.
terça-feira, 27 de janeiro de 2009
O Transmissor
Não parecia receber qualquer resposta.
Entretanto, proliferavam interferências de banda larga e instável, oriundas do coração.
Correspondência de Guerra
O Palácio da Memória
Chego aos campos e vastos palácios da memória, onde estão tesouros de inumeráveis imagens trazidas por percepções de toda a espécie. Aí está também escondido tudo o que pensamos, quer aumentando quer diminuindo ou até variando de qualquer modo os objectos que os sentidos atingiram. Enfim, jaz aí tudo o que se lhes entregou e depôs, se é que o esquecimento ainda não o absorveu e sepultou.
Quando lá entro, mando comparecer diante de mim todas as imagens que quero. Umas apresentam-se imediatamente, outras fazem-me esperar por mais tempo, até serem extraídas, por assim dizer, de certos receptáculos ainda mais recônditos. Outras inrrompem aos turbilhões e, enquanto se pede e se procura uma outra, saltam para o meio como que a dizerem: «Não seremos nós?». Eu, então, com a mão do espírito, afasto-as do rosto da memória, até que se desanuvie o que quero e do seu esconderijo a imagem apareça à vista. Outras imagens ocorrem-me com facilidade em série ordenada, à medida que as chamo. Então as precedentes cedem lugar às seguintes e, ao cedê-lo, escondem-se para de novo avançarem. É o que acontece quando digo alguma coisa decorada.
(...)
Tudo isto realizo no imenso palácio da memória. Aí estão presentes o céu, a terra e o mar com todos os pormenores que neles pude perceber pelos sentidos, excepto os que já esqueci. É lá que me encontro a mim mesmo, se recordo as acções que fiz, o seu tempo, lugar e até sentimentos que me dominavam ao praticá-las. É lá que estão também todos os conhecimentos que recordo, aprendidos ou pela experiência própria ou pela crença no testemunho de alguém.
Confissões de Santo Agostinho
A Persistência da Memória, Salvador Dalí
segunda-feira, 26 de janeiro de 2009
Aprender a Pensar: o meu Ideal para o Ensino
Se invertermos este método, o aluno imita uma espécie de razão, ainda antes de o seu entendimento se ter desenvolvido. Terá uma ciência emprestada que usa, não como algo que, por assim dizer, cresceu nele, mas como algo que lhe foi dependurado.
(...) Em suma, o entendimento não deve aprender pensamentos mas a pensar. Deve ser conduzido, se assim nos quisermos exprimir, mas não levado em ombros, de maneira a que no futuro seja capaz de caminhar por si, e sem tropeçar.
(...) Por exemplo, o autor sobre o qual baseamos a nossa instrução não deve considerado o paradigma do juízo. Ao invés, deve ser encarado como uma ocasião para cada um de nós formar um juízo sobre ele, e até mesmo, na verdade, contra ele. O que o aluno realmente procura é proficiência no método de reflectir e fazer inferências por si. E só essa proficiência lhe pode ser útil."
O Advogado
A Terra Prometida
Lembrei-me então que trazia uns binóculos velhos no bolso do casaco já roto. Tirei-os e tentei usá-los, mas não conseguia, porque os olhos estavam cobertos de água e sal. Adormeci na minha dor. Quando acordei, envergonhei-me daquela miséria e voltei a pegar nos binóculos. Mas era noite.
Fartei-me de estar naquele deserto seco onde eu tinha pena de mim próprio e me contorcia na minha preguiça. Levantei-me, na escuridão da noite, ajudado por uma vara que surgiu misteriosamente. Vi que escorria uma enorme luz das estrelas e percebi que, por vezes, se caminha melhor de noite do que de dia. Olhei na direcção do oásis e reparei num cartaz que dizia, numa língua esquecida: «Cuidado: Miragem!». Mudei então de rumo, e aí sim, comecei a andar.
Eu não tinha nada, e pouco sabia. As minhas mãos estavam vazias e a minha alma sentia-se só. A areia fina passeava-se pelo meu corpo ao sabor do vento, deixando uma camada de pó compacto que me fazia sentir mais denso. Aqui e ali, via-se o trilho serpenteante de uma cobra ou os vestígios de um cato espinhoso. As minhas pernas ganhavam forças.
Tinha estado tanto tempo no deserto sem me desertificar! O deserto é um labirinto de desespero para quem dele foge mas uma fonte inesgotável para quem aceita cingir os rins e vestir peles de camelo por um tempo. As paisagens da nossa vida só nos largam quando nos sentem iguais a elas. Só aí terão cumprido a sua missão - a Natureza é missionária! Do mesmo modo que só conseguimos deixar de olhar uma planície alentejana quando estamos cheios de infinitude, ou uma encosta do Douro depois de nos invadir a melancolia, do deserto só se sai quando se fica vazio, abdicando de enche-lo com coisas vãs ou acessórias.
Só mais tarde, ao cruzar-me com outro João, que andava à caça de gafanhotos, percebi que seria o deserto que me faria disponível para coisas maiores do que eu.
sexta-feira, 16 de janeiro de 2009
O Aspirador
Imprevistos III
quinta-feira, 15 de janeiro de 2009
A Máquina do Tempo: Um Inventário de Enganos
I. O Passado
A recordação do passado traz, inevitavelmente, a ideia de que, em vários momentos, eu poderia ter agido de forma diferente. Primeiro engano: julgar o passado à luz do que sei hoje. Hoje sou diferente - esse próprio acontecimento mudou-me. Hoje, quanto ao passado, já não existem incertezas - naquela altura, existiam muitas. Hoje, vejo calma e desinteressadamente - naquele momento tive que tomar uma decisão onde eu era parte interessada. Ao pensar "podia ter sido diferente" em jeito de culpa, estou a misturar os planos: queria ter decidido no passado com o que sei no presente. Esta é a armadilha de omitir a dinâmica do tempo.
Segundo engano: procurar uma causa para tudo o que me fez sofrer no passado. Numa sociedade tão científica, estamos habituados a que tudo siga uma lógica de causa-efeito. Perguntar "porquê?" parece-nos natural, talvez mesmo, um direito que nos assiste. Mas o nosso caminho não é uma jornada rigorosa, que possa ser analisada por um psicologismo puro de se isto então aquilo. Nem tudo o que nos acontece na vida tem uma razão. Perguntar "porque é que isto me aconteceu" e não obter resposta não quer dizer que ainda não a tenha encontrado. Pode, simplesmente querer dizer que não existe resposta. Em vez de justificativo, devo tentar ser descritivo, isto é, perceber o que me foi acontecendo sem o querer explicar. Esta é a armadilha de me paralisar numa falsa questão.
Terceiro engano: rever o passado com um olhar de carência. Quando nos falta alguma coisa no presente, e não a conseguimos encontrar aí, a máquina do tempo parece uma solução tentadora. Se olhamos o passado com esta pre-disposição, avaliamo-lo à luz da nossa dependência. "Se não tivesse tomado aquela decisão hoje não estaria sozinho" ou "desempregado" ou "sem a simpatia do meu chefe". Mas uma decisão bem tomada pode gerar maus momentos, isto é, um mal presente e temporário não implica que eu tenha decidido mal. Esta armadilha é a do olhar carente, que tira conclusões erradas.
II. O Futuro
A idealização do futuro traz consigo convites sedutores, que nos deixam ficar, por vezes, absorvidos por miragens. Primeiro engano: olhar para o futuro como um conjunto de fotografias em que eu apareço, em vez de um filme contínuo. É fácil imaginar-me feliz em determinado lugar, com certas pessoas ou em determinada posição. Mas, muitas vezes, nesta criação não existem entretantos. Só aparecem os momentos-chave, os instantes gloriosos, o clímax da história: receber um diploma, casar, ganhar as eleições. Não imaginamos o percurso que nos leva até aí; avaliamos apenas a fotografia do futuro pelo seu aspecto. Será que eu quero o filme, ou só a fotografia? Esta é a armadilha de sonhar uma não-vida.
Segundo engano: Assumir que o meu compromisso só começa no futuro. "Para o ano é que vai ser", "No próximo semestre é que me vou esforçar", ou ainda "Quando tiver isto e aquilo serei realmente feliz". E por agora, contento-me em sonhar esse estado, o que dá menos trabalho do que vivê-lo já hoje. Só que quando atingir esse isto e aquilo, vai faltar sempre mais qualquer coisa. Esta é a armadilha de diferir a felicidade.
Terceiro engano: Imaginar um futuro surreal, cheio de coisas que nunca serão possíveis. É verdade que sabe bem sonhar que podemos voar, que vivemos no Renascimento ou que somos o treinador do nosso clube de futebol. Mas quando este sonho se torna quotidiano, torna-se difícil sair daí. Um hábito que não se contraria gera uma necessidade, escreve Santo Agostinho. O presente que se começa a alimentar de ilusão e de mentira torna-se vazio. Esta é a armadilha de sonhar um futuro ilusório.
quarta-feira, 14 de janeiro de 2009
Ad Eternum
Noite de Verão
Começou a pensar nos Seus amigos. Lembrava-se de um Pedro apaixonado que Ele carinhosamente tratava por irmão. Visitava-O a expressão decidida de João, que Ele adorava tirar do sério. Recordava as boas piadas de Tiago, cuja alegria sempre O tocava. Depois, lembrou-Se do cego que se atirara a Seus pés, naquela tarde, suplicando Misericórdia. Os olhos de Jesus ficaram brilhantes com esta recordação. Um só gesto Seu bastou para que Bartimeu visse. Aquele primeiro olhar de Bartimeu foi impressionante, uns segundos de silêncio que valeram uma eternidade. Quanto se amaram, nesse instante! E depois Bartimeu seguiu-O, na longa estrada empoeirada de Jericó.
- Obrigado Meu Pai! - Soltou Ele, enquanto os seus dedos brincavam com a relva.
Deteve então o Seu olhar na lua. Jesus gostava imenso de olhar a lua e de Se deixar seduzir pela sua magia. Jesus estava feliz. Aqueles momentos a sós com Deus Pai realizavam-No, faziam-No crescer. Sentia uma imensa paz, apesar do grande número de pensamentos que trazia consigo.
E enquanto olhava a lua, e rezava, deu-se, de repente, um "click" que O fez saltar de entusiasmo.
- Ena! Como é que ainda não Me tinha lembrado!....
Precisou de um lápis e de uma folha que logo apareceram. Sorriu. E começou a desenhar-me. Desenhava-me com toda a perfeição, cada traço era feito com cuidado e Amor. Fazia imensos efeitos com o carvão, e à medida que os fazia, compreendia-me. Por vezes, com certos riscos mais fortes, acenava docemente com a cabeça. E ia olhando com cumplicidade para o Céu, de onde Deus Lhe ia guiando a mão que desenhava.
Esteve toda a noite nisto. E, por fim, olhou-me, nos meus olhos. Amou-me profundamente. E assinou o meu retrato, como o pintor que assume uma obra.
Ergueu-Se, e deu Graças ao Pai, de braços abertos. E mal abriu os braços, lembrou-Se da cruz que O esperava daí a umas semanas. Então olhou para o meu retrato e sussurrou-me, comovido: "É por ti".Depois, guardou-me na Sua túnica, e seguimos juntos pelo caminho.
terça-feira, 13 de janeiro de 2009
Às armas! (Discurso para o dia da Restauração)
A responsabilidade de um português do século XXI em nada é inferior à dos grandes conquistadores que ergueram, à custa de tanto suor e sangue, a nação mais antiga da Europa. A responsabilidade de um português do século XXI nada deve à dos bravos navegadores que, cruzando os mares, levaram a nossa língua aos quatro cantos do mundo. A responsabilidade de um português do século XXI não é menor do que a dos ilustres restauradores que, com amor à bandeira, se bateram corajosamente pela independência da nação.
A responsabilidade de um português do século XXI, a nossa responsabilidade, é construir o Portugal Maior que todos desejamos, o Portugal que de cauda da Europa se faça cabeça, uma ponte entre a Europa e o Mundo. A nossa responsabilidade é lutar, com todos os meios de que dispomos, por uma sociedade de progresso verdadeiro, cujos faróis sejam a Justiça e a Equidade, e cujos instrumentos sejam o trabalho árduo e o compromisso.
Portugueses: festejemos a independência da nação; mas deixemos de ser independentes da nossa sociedade. Sejamos, sim, independentes no pensamento e no espírito, para que vejamos sempre, com lucidez, aquilo que o país nos pede. Hoje, eu digo-vos: Portugal pede-nos envolvimento.
Reparai num Mundo dominado pelo desânimo e pelo descompromisso: Poderá, o nosso país, ser um exemplo de que a crença profunda na mudança transforma, de verdade, a sociedade?
Sim! Basta querermos.
Este é o tempo da unidade. Este é o tempo da restauração. Restaurar é reerguer, retomar, recomeçar. Neste dia de memória olhemos então para a frente.
Empenhai-vos, cada um de vós, no vosso trabalho. Interessai-vos e discuti as causas que vos preocupam. Envolvei-vos em associações, em partidos, em debates. Exigi, da classe política, um trabalho tão esmerado quanto o vosso. E lembrai-vos de todos aqueles que precisam de vós – e são tantos os que precisam! Porque o Portugal Maior só será possível numa cultura de entreajuda e solidariedade.
Não aceitaremos o imobilismo.
Não pactuaremos com a inércia.
Não aspiraremos um futuro pior do que o melhor possível: e esse futuro melhor, está nas nossas mãos.
A nossa missão é ser Portugal.
Viva Portugal!
segunda-feira, 12 de janeiro de 2009
Imprevistos II
Apesar de ter um péssimo humor, deixou-me a pensar em si. E se viesse tomar um café comigo?...
Veja lá, eu não me lembrei de si nem uma vez. Deve ser do meu mau humor... Onde é que me vai levar? Olhe que eu tenho medo de desconhecidos. Traga aquilo de que falou… E nada de surpresas, ouviu?
Você é engraçada!... Não se preocupe, vamos só a Belém e não vai lá estar à sua espera um balão pronto para levantar voo. (Você gostava, não gostava?). Nos pastéis ao fim da tarde, parece-lhe bem?
Sim, parece-me bem! Um dia ofereça-me o balão… Pode ser que eu o convide para me fazer companhia. Um beijo
...quem sabe. Nada melhor do que voar acompanhado. Durma bem!
domingo, 11 de janeiro de 2009
As contas de Deus
Porto (In)seguro
- O que é que amas?
- O mar.
- O que é que queres verdadeiramente?
- Pescar.
- Então, porque é que não arriscas...?
A Sombra
Num desses dias, enquanto passeava sozinho pelo cais à procura não sabia bem de quê, reparou que alguém o acompanhava. Era a sua sombra. Estava definhada, encolhida sobre si própria. Lembrou-se então de alguns momentos em que a sua sombra fora muito maior do que o seu corpo. Recordava, em particular, as vezes em que a sombra o reflectira em quatro direcções, sem sequer se conseguir ver o seu limite. E apercebeu-se de que a sombra era apenas uma imagem de si próprio, projectada pela luz que o iluminava.
Começou, nesse dia, a pensar que tipo de luzes fariam a sua sombra ser gigante.
quinta-feira, 8 de janeiro de 2009
Imprevistos I
- Não estava a pensar nisso.
- Vê? - soltou ele, vitorioso, abrindo os braços - Você ía fazer.
- E se calhar ainda vou...
- Se calhar. - resignado - Mas depois, que piada é que tem?
Ela fez-se desentendida.
- Que tem... o quê?...
- Pare!... Diga lá, como é que se chama?
- Maria... Maria do Carmo.
Sentiu-se um impasse. Ele procurou qualquer coisa para dizer.
- Deu-me tanto trabalho que agora me deixou sem conversa.
- Não me parece que seja do género de ficar sem conversa...
Ele sorriu.
...
- Você sabe o que é que eu vou ter de lhe pedir.
Ela riu-se.
- Não peça.
- Dê-me o seu número de telefone.
- Porque é que haveria de lhe dar o meu número de telefone?
- Porque se não der, nunca vai saber.
- Você fala uma linguagem esquisita. E eu tenho mesmo de me ir embora.
- Está bem.
Ela ficou imóvel e surpresa com a resposta. Ele prosseguiu, com toda a calma:
- É por isso que me devia dar o seu número de telefone.
- Você irrita-me.
E deu-lho.
O Viajante
terça-feira, 6 de janeiro de 2009
O Eterno Desconhecido
Ao Mar!
Alimentai a vossa sede de Mar!
Vêde os sinais!
Eis a brancura da espuma - é a nata de um mar que ferve!
Senti o ardor da maresia - é o odor de uma lareira em brasa!
Vêde, vê-de o mar que arde!
Não vos apercebeis da vossa própria perdição?...
Navegais de mar em mar,
Cuidando que são as águas a causa do vosso abandono - mas não!
É essa barca,
Esse bote fétido em que navegais o motivo da vossa ruína!
Dai as vossas ordens, timoneiros!
Ao mar, ao mar!
Largai a embarcação corrompida!
Deixai as velas manchadas!
Esquecei os falsos capitães!
Ao mar, ao mar!
Vêde: há uma caravela no horizonte!
A decisão
Gosto imenso de escrever, mas apercebi-me de que só escrevo alguma coisa verdadeiramente boa quando a quero oferecer a alguém. Só assim me esmero, só assim me ponho por inteiro numa folha de papel.
Por isso, este blog é um presente para quem o quiser receber.
E assim conseguirei acolher com alegria a solidão de um moleskine nos fins de tarde em Belém.