terça-feira, 27 de janeiro de 2009

O Palácio da Memória

Transporei, então, esta força da minha natureza, subindo por degraus até àquele que me criou.

Chego aos campos e vastos palácios da memória, onde estão tesouros de inumeráveis imagens trazidas por percepções de toda a espécie. Aí está também escondido tudo o que pensamos, quer aumentando quer diminuindo ou até variando de qualquer modo os objectos que os sentidos atingiram. Enfim, jaz aí tudo o que se lhes entregou e depôs, se é que o esquecimento ainda não o absorveu e sepultou.

Quando lá entro, mando comparecer diante de mim todas as imagens que quero. Umas apresentam-se imediatamente, outras fazem-me esperar por mais tempo, até serem extraídas, por assim dizer, de certos receptáculos ainda mais recônditos. Outras inrrompem aos turbilhões e, enquanto se pede e se procura uma outra, saltam para o meio como que a dizerem: «Não seremos nós?». Eu, então, com a mão do espírito, afasto-as do rosto da memória, até que se desanuvie o que quero e do seu esconderijo a imagem apareça à vista. Outras imagens ocorrem-me com facilidade em série ordenada, à medida que as chamo. Então as precedentes cedem lugar às seguintes e, ao cedê-lo, escondem-se para de novo avançarem. É o que acontece quando digo alguma coisa decorada.

(...)

Tudo isto realizo no imenso palácio da memória. Aí estão presentes o céu, a terra e o mar com todos os pormenores que neles pude perceber pelos sentidos, excepto os que já esqueci. É lá que me encontro a mim mesmo, se recordo as acções que fiz, o seu tempo, lugar e até sentimentos que me dominavam ao praticá-las. É lá que estão também todos os conhecimentos que recordo, aprendidos ou pela experiência própria ou pela crença no testemunho de alguém.



Confissões de Santo Agostinho

A Persistência da Memória, Salvador Dalí

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