quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

O Viajante

O louco passeava-se pela cidade comprometido com a sua causa: ria, pensava um pouco, metia conversa com as pessoas na rua. Era tão frequente encontrá-lo em momentos de completo desatino como em períodos de pura abstração. Era um homem conversador e distraído, sempre enfiado no seu colete cinzento desbotado, de onde escorregava o relógio de bolso. Dir-se-ia que vinha de outro tempo, que vivia noutro espaço. Quando lhe perguntavam o nome, ele respondia, solenemente, "o viajante".
- Sabes, meu caro Fernando, estou um pouco farto de ver as pessoas troçarem de mim, como se eu tivesse algum problema! - confessava ele à antiga estátua da Brasileira - E, pior: dizem "é louco", com um ar grave, que eu não percebo. Podiam dizer também "é alto", ou "é moreno", ou ainda "é parvo", mas não: sempre a darem-lhe com o louco.
Deixou-se estar um pouco a saborear o café na sua chávena invisível.
- Enfim, nada me vai deter. É preciso prosseguir com a campanha. - disse, levantando-se de rompante.
Mas logo se deixou cair novamente sobre a cadeira da esplanada.
- Ora! Vão continuar sem me perceber.
Nesse momento, o empregado, que já o ouvia há algum tempo, chegou-se perto dele e perguntou-lhe, divertido:
- Então diga lá, você anda a fazer campanha pelo quê?
O louco fitou o homem com um olhar agradecido. E declarou:
- O meu manifesto resume-se numa palavra: leveza. Afinal, para que serve um louco senão para que os outros percebam que são demasiado sérios?

Sem comentários:

Enviar um comentário