terça-feira, 6 de janeiro de 2009

O Eterno Desconhecido

- Boa tarde. Posso fazer-lhe uma pergunta?
O velho fitou-o com um olhar desconfiado.
- Diga lá... Mas olhe que...
- Não se preocupe - interrompeu - Não lhe quero vender nada. Nem quero sequer tomar-lhe muito tempo. Afinal, as coisas verdadeiramente importantes são simples e têm pouca conversa.
- Mas quem... eu... ora! - resmungou, encolhendo os ombros, e regressando às redes que arranjava.
- Olhe lá bem para mim.
O velho olhou-o então de lado, movido pela curiosidade.
- Não o conheço. O que é que queria saber, afinal? Olhe que eu não tenho o dia todo!
- É verdade, nunca me viste. Mas fui passando por ti ao longo da tua a vida...
Assustado, o velho distraía-se nervosamente nas redes.
- Mas quem é você?
- Fui horas, dias, anos. Fui verões, luas e marés. Fui o fluxo indelével que te levou pela vida fora. Sou a origem da memória! Curei-te feridas, ao meu ritmo compassado. Dei-te vigor e sabedoria. Levei-te para longe da tua dor. Sou a chave do crescimento! Agora retiro-te parte do que te dei, pois é essa a minha natureza. Afecto a tua lucidez, canso os teus membros, confundo os teus sentidos. Sou a marca da mortalidade!
O velho largou as redes vagarosamente, e pousou o seu olhar sobre o mar. E disse, com um suspiro:
- Tu és... o tempo!
O tempo envolveu-o então no seu abraço, que era, ora pacificador, ora inquietante.
- Demorei-me sempre o mesmo, apesar de tu não achares.
O velho deixou cair uma lágrima cheia de saudade.
- É verdade, umas vezes nem te senti, outras pesaste-me duramente... - disse, demorando-se em memórias longínquas.
E perguntou então ao tempo:
- Acabaste?
- Sim...
- Leva-me então. Sei que não és um fim.
O tempo sorriu languidamente. E exclamou:
- Espera, falta a pergunta!
O velho baixou os olhos. O tempo apertou-lhe o braço freneticamente, e disse:
- Sabias como sou breve. Quantos avisos te dei! Porquê, porque é que adiaste?...
O velho não respondeu. E mergulhou na eternidade.

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