sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Dia-a-Dia

Fazer o que quero,

Querer o que faço.

Uma questão de prefixos

Des-interesse,
Des-ânimo,
Des-contentamento,
Des-espero,
Des-norte,
Des-governo,
... ,

mostram que existe um claro problema de prefixos na sociedade contemporânea.

Guião do 5º Encontro de Preparação para o Crisma


Será o Espírito tão complicado assim...?



Representação Renascentista do Espírito Humano

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O sopro de Deus que transforma o homem

- Podemos comparar o Espírito a um jornal, com dois dossiers interligados: o dossier Eu, e o dossier Deus.

- Como qualquer jornal, é preciso lê-lo para conhecer o seu conteúdo. Posso ler só os títulos, ou também o desenvolvimento das notícias (a minha história e a história da Salvação) e os comentários dos colunistas (as pessoas que me conhecem melhor, alguém mais experimentado do que eu na Fé).

- Uma leitura profunda deste jornal e uma vontade decidida de subscrever as suas ideias TRANSFORMAM-ME: este é um aspecto central a nossa Fé. O Espírito tem uma natureza transformacional. O Espírito converte, no dia-a-dia, o meu olhar, as minhas palavras e as minhas atitudes. É, simultaneamente mapa e bússola, porque me ajuda a inventariar os caminhos possíveis e me permite decidir qual é o melhor para mim. Não se trata, assim, de uma Fé geral e normativa mas concreta e dinâmica.

- O Espírito já foi oferecido à Humanidade (Pentecostes) e a mim próprio (Baptismo). Eu já estou no Espírito. “Muitos são os chamados mas poucos os escolhidos”: todos receberam o Espírito mas nem todos lhe aderem; todos estão envolvidos pelo Espírito mas nem todos o absorvem. O Escolhido é, curiosamente, aquele que escolhe seguir o Espírito; é Escolhido no sentido em que, depois de ele próprio escolher, essa escolha é assumida por Deus. Como Deus só pode assumir a escolha de quem efectivamente o escolheu, poucos são os Escolhidos. Mas, à priori, todos fomos escolhidos à data da nossa Criação.

- Através do Espírito manifesta-se o poder de Deus: nos milagres quotidianos (dos quais mais um dia da minha vida é o maior de todos) e nas pequenas tarefas do meu dia posso superar-me e ser testemunho de Deus, pois o “Espírito do Senhor ungiu-me”, à semelhança de Cristo, “para ser luz entre as nações”.

Mesa de Trabalho

M.
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- João…
- Diz!
- Vai encher a minha garrafa de água… Vais?
- Não.
- Vá lá…
- Agora não posso, Margarida …
- És um chato, percebes?... Nunca mais falo contigo. Vá lá…
- Hum…
- Vais?
- Daqui a um bocadinho.
- Mas tem de ser agora!
- Agora não posso.
- Ó João! Tu prometeste!
- Não prometi nada!
- Prometeste sim, que eu ouvi. És um mentiroso, percebes?...
- Não sou nada.
- És! Um grande mentiroso. Vou pedir ao Paulo… Paulo! Vai encher a minha garrafa!... Vais?
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R.
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- João!
- Sim…
- O nosso post?
- Ainda não está.
- Ainda não está?! Mas tu tiveste o fim-de-semana todo!...
- Mas não estava inspirado, Rita…
- Já viste, Margarida? O João ainda não fez o nosso post. Cá para mim, nunca vai fazer!
- Eu não falo com ele. Ele é um grande mentiroso.
- O João deve estar mais entretido a fazer campanha, não é, João?... Hoje até trouxe a sua gravata Príncipe de Gales.
- O que é que tem a minha gravata Príncipe de Gales?...
- Nada. Nós já sabemos que tu pertences à Opus Dei.
- Rita, eu já te disse que não sou da Opus Dei.
- Então és do quê?
- Não sou de nada.
- Margarida, o João é militante da JSD.
- Não sou nada!
- Ai não? Então que livro é que tens aí?...
- É um livro de filosofia política.
- Já viste, Margarida?... O João é mesmo estranho.
- Aaargh!!
- Ih ih! Já conseguimos irritar o homem.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Um novo modelo de diplomacia

O jornalista Pedro Viegas entrevista um simbólico Ministro dos Negócios Estrangeiros que expressa, de forma didáctica, as opiniões do autor deste espaço em relação a uma série de assuntos de política externa.
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PV: Senhor ministro, a sua visita mais recente a Angola foi alvo de grandes críticas, por poder ser entendida como um apoio à presidência de José Eduardo dos Santos. Pergunto-lhe: uma democracia pode apertar a mão a uma ditadura?
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MNE: Boa noite, Pedro. A democracia não só pode, como deve apertar a mão a qualquer outro estado soberano, qualquer que seja a sua forma de governo e a natureza do seu sistema político. Se a democracia se recusar a aceitar a diversidade - por muito que as formas de que essa diversidade se reveste lhe possam, por vezes, gerar repulsa - será a negação de si própria. A democracia não pode pretender acolher apenas outras democracias, marginalizando os estados que, pelo seu estádio de desenvolvimento ou pelas suas especificidades culturais, não a subscrevem. O processo de imposição da democracia parece-me uma grande falácia.
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PV: Essa posição, diria, diplomática, pode manter-se mesmo face ao desrespeito pelos direitos humanos?
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MNE: Esta posição não é meramente diplomática, é fundamentalmente estratégica. É muito fácil adoptar uma posição dogmática e dizer: "não falamos com países que não respeitam os direitos humanos", aplicar sanções e excluir esses países dos processos multilaterais. Este tem sido, aliás, o posicionamento da maioria da diplomacia europeia nos últimos vinte anos. Mas eu pergunto: será que deu algum fruto? Não. Sabe porquê? É que este tipo de diplomacia é profundamente demagógico.
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PV: Em que sentido?
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MNE: Em todos! É a diplomacia mais conveniente para os países desenvolvidos porque, ao mesmo tempo que os exibe como grandes defensores da democracia, demite-os de responsabilidades ulteriores. Criou-se um consenso tácito entre os países do Ocidente no tipo de relacionamento que se deve manter com África que é fundamentalmente laissez faire. De quando em vez, lá assistimos a uma mobilização episódica para relembrar o interesse da Europa na democratização do continente, com um pano de fundo de ajudas e de perdão de dívida irracionais.
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PV: O senhor ministro pensa, portanto, que os países desenvolvidos não devem perdoar a dívida dos países mais pobres e que não os devem financiar?
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MNE: A maneira como me coloca essa pergunta é exemplificativa do sucesso que esta demagogia diplomática tem junto das pessoas. Repare, Pedro: você reconhece, seguramente, que existem grandes problemas em África (continuo a citar este continente, mas poderiamos, evidentemente, falar de outros), como a pobreza, a guerra ou a fome. Reconhecerá também que as desigualdades para com os países do centro são demasiado grandes, diria mesmo, imorais. Todavia, fica descansado ao pensar que o seu país manda para lá dinheiro e perdoa dívidas, porque acha que isso deve ajudar alguma coisa. Missão cumprida, pensará você. Mas tudo isto é uma grande ilusão. Perdoar dívidas é criar espaço para que o endividamento seja crónico, sistemático. E enviar dinheiro sem contrapartidas é criar vícios e expectativas terríveis. Resumindo: a estratégia diplomática ocidental para o desenvolvimento assenta na ilusão de que estamos a ajudar os mais pobres. Não sei se se recorda que o objectivo das Nações Unidas para 2010 era a erradicação da fome...
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PV: Mas existem diversos exemplos em que a pressão internacional tem apresentado resultados concretos. Recordo-me de Timor e do Kosovo, por exemplo...
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MNE: Os exemplos que referiu são excelentes. De facto, o Ocidente conseguiu, com grande empenho, a libertação de Timor e a independência do Kosovo. Mas o que fez a seguir?... O fenómeno mais curioso desta diplomacia laissez faire de que falo é que por vezes tem espasmos. Precisa de se afirmar, de dizer que existe, para logo desaparecer. É uma mobilização episódica, que não tem qualquer ponta de estratégia. Os diplomatas europeus chegam a roçar a ingenuidade. Depois dos séculos que a Europa demorou a alcançar a democracia, pensam que a vão conseguir implementar em três dias em países que sempre viveram em regimes autoritários ou tribais. O Iraque e o Afeganistão são os dois exemplos mais actuais. Agora, temos duas bombas-relógio na mão.
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PV: Há pouco falou das Nações Unidas. Que responsabilidades poderão ser imputadas a esta organização?
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MNE: Diversas. A ONU tem vindo a enfraquecer-se, a dividir-se, num processo que me faz lembrar o do falhanço da Sociedade das Nações, antes da Segunda Guerra Mundial. As principais potências usam-na mais como um espaço de disputa de forças e de promoção de interesses do que como um lugar privilegiado de cooperação e promoção do bem comum. A falta de carisma na liderança e os problemas de financiamento não ajudam. Não me parece que o actual modelo de funcionamento vá durar muito tempo. A ONU precisa de uma profunda restruturação. Até porque os tempos do multilateralismo estão a acabar.
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PV: E o que é que o substituirá?
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MNE: O minilateralismo. Os países estão a aperceber-se que é impossível gerar consensos quando há vinte, trinta ou cem países envolvidos nas negociações. Veja o impasse que a própria União Europeia vive na sequência de um multilateralismo extremo... Ou a Organização Mundial de Comércio, que há anos tenta construir um acordo alargado para o fim do proteccionismo, e não consegue.
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PV: Como é que a ONU poderá adaptar-se a esse contexto de minilateralismo sem desaparecer, simplesmente?
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MNE: A ONU terá de rever a sua própria dinâmica institucional de funcionamento. Uma alternativa possível seria passar a funcionar em comissões com, por hipótese, três países de cada continente, com responsabilidades plenas para decidir sobre determinadas matérias. Cada país estaria representado em apenas uma das comissões, ficando nessa mesma comissão por um periodo de dois anos e passando a outra no mandato seguinte. Este modelo permitiria aliviar a Assembleia Geral, para que se concentrasse apenas nos assuntos mais relevantes.
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PV: O senhor ministro tem aqui criticado a diplomacia ocidental de forma bastante severa. Retomo a questão com que começámos esta entrevista, sobre a sua visita a Angola, para lhe perguntar: qual será a diplomacia alternativa?
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MNE: Uma diplomacia estratégica e eficaz, sobretudo. Uma nova maneira de trabalhar, mais centrada nos povos que sofrem do que nos seus governantes. Quando falo de diplomacia estratégica, proponho um plano de acção com linhas claras e objectivos concretos, que não viva de episódios soltos. Dou-lhe um exemplo do que me parece a ausência de estratégia: a relação dos Estados Unidos com a Coreia do Norte e, em particular, a visita de Bill Clinton para resgatar as jornalistas condenadas. A diplomacia vive hoje, à semelhança da política interna, da sede de casos com protagonismo, diria mesmo, comerciais. A componente simbólica da diplomacia está tão exacerbada que faz esquecer a componente material. Note: Bill Clinton vai buscar, com sucesso, duas jornalistas aos campos de concentração coreanos e parece que fica tudo resolvido. Mas não: centenas de milhares de pessoas continuam condenadas a trabalhos forçados e à tortura. Sarkozy faz pressão sobre a Colômbia para obter, das FARC, a libertação de uma refém francesa e, ao consegui-la, parece que já não existe nenhum problema para resolver. Não pode ser.
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A minha alternativa é que nos deixemos de show-off, e passemos à acção. Temos de voltar a acreditar que é possível ajudar os países pobres. Só que temos de perceber que não pode ser com um modelo estrito, que tente apenas fazer de África uma semi-Europa. Nós, ocidentais, temos de deixar esta nossa arrogância, que vem do tempo dos descobrimentos, de achar que vamos levar a salvação a todo o lado. Se for preciso apertar a mão a José Eduardo dos Santos para poder ajudar o povo angolano, eu até lhe darei um abraço.
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PV: Mas há sempre uma questão de princípio...
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MNE: Para mim, a grande falta de princípio é continuarem a existir milhões de seres humanos a morrer à fome enquanto nós persistimos na abstração e nas medidas fáceis ou politicamente correctas. Veja o caso do Zimbabwé: de facto, é impossível não deplorar Mugabé. Mas, na verdade, quem é que será prejudicado com as duríssimas sanções impostas pelo Ocidente? O povo, evidentemente. Mugabé não passará fome, nem morrerá. Mas o seu povo viverá ainda mais miseravelmente. Veja como ele se tem aguentado, ainda que com o artifício da suposta partilha de poder com a oposição... O olhar dogmático do Ocidente, com o seu livrinho de soluções pré-definidas, ainda lhe deu oportunidade para atribuir as culpas da fome ao estrangeiro junto do seu povo. Ora, eu considero que a diplomacia requer eficácia, ainda que isso exija posições aparentemente mais coniventes... O futuro mostrará que foram, sim, inteligentes.
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PV: Como assim?
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MNE: Se você quer implementar a democracia num país tem de o desenvolver, e não esperar apenas que aconteça o contrário. Só uma sociedade com uma base mínima de crescimento económico e educação poderá estar preparada para receber um regime que, por natureza, é frágil. Ou, usando outras palavras, num regime cuja força são os cidadãos, eles têm de estar estáveis. É dessa estabilidade que depende a vitalidade do regime. As democracias da América Central são precárias porque os cidadãos não têm estabilidade material. Você só se vai preocupar com a liberdade se tiver o estômago cheio. Desde modo, no meu ponto de vista, e ao contrário do que é lugar-comum, é necessário dialogar com os ditadores - não para os tentar convencer a mudar, debaixo de ameaças, mas para conseguir entrar nos seus países através das nossas empresas.
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A maioria dos estados autoritários são personalistas, isto é, nascem e morrem com o ditador que lhes deu origem. Depois, os militares tomam o poder temporariamente e encontram um sucessor que lhes garanta os privilégios. Pode até haver uma tentativa de democratização, mas que é logo asfixiada. E tudo volta ao mesmo. É preciso quebrar este ciclo.
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PV: A sua solução passaria então pelo investimento?
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MNE: Precisamente. Em vez de ajudar directamente os países, penso que deveriamos ajudar as empresas que pretendessem ir para lá, subsidiando-as e criando um clima político favorável junto dos governos locais. Seria uma forma sustentada de gerar emprego, e é aí que tudo começa.
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PV: Muitos dizem que é na educação...
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MNE: Novamente, falamos de um estádio posterior ao da estabilidade económica. Os pais só vão deixar (e incentivar) que os filhos vão à escola quando deixarem de precisar que eles trabalhem no campo ou nas milícias para que a família sobreviva. Retomando a sua questão: se eu conseguir acordar com José Eduardo dos Santos um regime favorável para o investimento português estarei a promover uma ajuda muito mais sustentada do que perdoando dívida ou enviando dinheiro. Parece-me que cada país deveria escolher dois ou três parceiros estratégicos subdesenvolvidos pelos quais se responsabilizasse, numa lógica semelhante ao de uma tutoria académica...
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PV: Mas isso não representaria uma nova forma de colonialismo?
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MNE: Isso é um fantasma que vai deixar de existir no dia em que os países pobres virem que a nossa ajuda é eficaz. Nós não nos tornámos uma colónia francesa ou espanhola pelo facto de esses países e das suas empresas terem um papel fundamental no nosso desenvolvimento. É preciso agir e deixar os falsos paradigmas, que não são mais do que desculpas.
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PV: Senhor ministro, uma última pergunta: qual o papel de Portugal no contexto que acaba de descrever?
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MNE: Um papel de relevo, Pedro. Portugal é um país que tem características muito interessantes de um ponto de vista diplomático. É suficientemente pequeno para escapar a uma série de grandes interesses que movem o G8, e é suficientemente grande para estar entre os trinta países mais ricos do mundo. Para além disso, tem um historial de diplomacia quase milenar e um perfil pacifista. É um país priveligiado do ponto de vista geo-estratégico, e tem visto a sua independência energética crescer significativamente através das energias renováveis. É o perfil de um país moderador. Falo até de conflitos internacionais: pergunto-me se não seria mais interessante ter países deste tipo a tentar a paz em Israel do que potências que apresentam interesses inequívocos de um lado ou de outro.
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De qualquer forma, no que respeita à ajuda ao desenvolvimento, espero que sejamos um exemplo a seguir. Temos todas as condições: empresas com vontande de investir, know-how e argumentos para apresentar aos governantes locais. Falta a vontade política.
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PV: Muito obrigado, senhor ministro.
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MNE: Sou eu que agradeço, Pedro Viegas.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Da Ética e do Direito

- Nobilíssima Ética! - começou o Direito - Consta que as empresas pretendem ensinar-te em cursos on-line.
- Ai sim?... - respondeu ela, distante.
- Na verdade, desejam dedicar-te até um departamento.
A Ética sorriu, ironicamente.
- E que te parece isso, ilustríssimo Direito?
O Direito reflectiu por instantes.
- A doutrina divide-se... - suspirou, melancólico.
- Então? - questionou a Ética, agora interessada.
O Direito adquiriu a sua forma Natural.
- É justo, distinta Ética, que não sejas tratada abaixo de mim. Se dos homens mereço toda a espécie de instituições, despesas e cuidados, deveriam eles oferecer-te não menos consideração.
Mas, depois, positivou-se.
- Todavia, o que será a tua legitimidade, nessa nova condição, senão eu próprio, o Direito?...
- Como assim?... - perguntou ela.
- Quem te definirá, Ética?... Quem dirá o que és, de que modo de te realizas e em que situações te manifestas? Quem te limitará, senão a lei?... Quem te assistirá, senão a sua coacção? Passarás a ser uma esfera de mim mesmo, e perderás a tua soberania.
- Falas verdade, Direito, como é próprio da tua natureza. Se me reduzirem a um departamento e a um conjunto de procedimentos, não serei mais que uma adenda aos teus códigos.
- Que fazer, pois? Que dizer aos homens, para que não te confundam comigo?...
A Ética olhou pela janela do conhecimento. E respondeu:
- Lembremos-lhes Deleuze: "Ética é estar à altura do que nos acontece".

Confiança

(...)

- Deixe-me dizer-lhe que...
- Não diga. Eu sei.
Ele hesitou.
- Será que você também...?
Ela cobriu-lhe a boca com os dedos, suavemente.
Olharam-se.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Descomplicando

Depois de toda a espécie de impedimentos, condições e dificuldades que ele levantara na discussão, Matilde perguntou-lhe:
- Porque é que você é tão complicado?
Ele abanou a cabeça.
- Nem eu sei…
- Então descubra!
O homem riu-se.
- Como se fosse assim, fácil…
- É por ser fácil de você não o faz. Só gosta de coisas difíceis. Despreza o simples.
O homem ficou pensativo.
- Pois…

Tarde Vos Amei

Tarde vos amei, ó Beleza tão antiga e tão nova,
tarde vos amei! Eis que habitáveis dentro de mim,
e eu lá fora a procurar-vos.
Disforme, lançava-me sobre estas formosuras que criastes.
Estáveis comigo, e eu não estava convosco!
Retinha-me longe de vós aquilo que não existiria,
se não existisse em vós.
Porém, me chamastes, com uma voz tão forte
que rompestes a minha surdez.
Brilhastes, cintilastes e logo afugentastes a minha cegueira!
Exalastes perfume: respirei-o suspirando por vós.
Eu vos saboreei, e agora tenho fome e sede de vós.
Vós me tocastes e ardi no desejo da vossa paz.

Confissões, X, 27, Santo Agostinho