segunda-feira, 13 de abril de 2009

O Espaço e o Tempo

A caravela largara o cais de Belém há já algum tempo, mas Francisco Valladares não distraía o seu olhar de Lisboa, que desaparecia do horizonte. A certa altura, o capitão, encontrando-o de olhar fixo na silhueta da cidade, veio meter conversa.
- Agora, apenas teremos o mar por companhia...
Valladares parecia distante. Soltou então:
- Já viu? A torre de Santa Maria que, em seu redor, nos parece tão imponente, não é agora mais que um pequeno ponto no horizonte. Ainda há instantes era tudo, mas agora fez-se nada. Diluíu-se no espaço!
O capitão tirou o chápéu e coçou a cabeça. Respondeu:
- Como qualquer paixão, resta-nos a recordação.
- Mas também essa se desvanece, consumida pelo tempo...
- Talvez... Mas as recordações deixam sempre um sabor de si mesmas, ainda que o facto que as gerou já se tenha perdido. Não se lembrará de impressões passadas cuja origem desconhece?...
- Sim, claro. Mas são tão vagas e estranhas que não me atreveria a remexê-las.
O capitão sorriu e voltou a colocar o chapéu.
- Vai fazer-lhe bem este tempo de mar, meu caro senhor.
Fez menção de sair dali, mas Francisco deteve-o.
- Porque é que diz isso?
O capitão olhou-o por instantes.
- Sabe... A vida no barco faz-nos mais sinceros. Não temos para onde fugir!

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