segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

A Terra Prometida

Vi, no fundo da linha, onde o calor distorcia as formas e as misturava num retrato surrealista, uma espécie de tranquilidade fresca que descansava à beira de um oásis secreto. Arrastei-me pela linha do comboio desactivado, mas as minhas mãos escaldadas, que se cortavam na ferrugem do carril, deram de si. Esforcei-me mais um pouco, movido pela sombra das palmeiras que vislumbrava ao longe, mas as pernas também me caíram, e depois os braços. Caminhava há dias, sem parar, mas não saía do mesmo sítio. Sentei-me e comecei a chorar.

Lembrei-me então que trazia uns binóculos velhos no bolso do casaco já roto. Tirei-os e tentei usá-los, mas não conseguia, porque os olhos estavam cobertos de água e sal. Adormeci na minha dor. Quando acordei, envergonhei-me daquela miséria e voltei a pegar nos binóculos. Mas era noite.

Fartei-me de estar naquele deserto seco onde eu tinha pena de mim próprio e me contorcia na minha preguiça. Levantei-me, na escuridão da noite, ajudado por uma vara que surgiu misteriosamente. Vi que escorria uma enorme luz das estrelas e percebi que, por vezes, se caminha melhor de noite do que de dia. Olhei na direcção do oásis e reparei num cartaz que dizia, numa língua esquecida: «Cuidado: Miragem!». Mudei então de rumo, e aí sim, comecei a andar.

Eu não tinha nada, e pouco sabia. As minhas mãos estavam vazias e a minha alma sentia-se só. A areia fina passeava-se pelo meu corpo ao sabor do vento, deixando uma camada de pó compacto que me fazia sentir mais denso. Aqui e ali, via-se o trilho serpenteante de uma cobra ou os vestígios de um cato espinhoso. As minhas pernas ganhavam forças.

Tinha estado tanto tempo no deserto sem me desertificar! O deserto é um labirinto de desespero para quem dele foge mas uma fonte inesgotável para quem aceita cingir os rins e vestir peles de camelo por um tempo. As paisagens da nossa vida só nos largam quando nos sentem iguais a elas. Só aí terão cumprido a sua missão - a Natureza é missionária! Do mesmo modo que só conseguimos deixar de olhar uma planície alentejana quando estamos cheios de infinitude, ou uma encosta do Douro depois de nos invadir a melancolia, do deserto só se sai quando se fica vazio, abdicando de enche-lo com coisas vãs ou acessórias.

Só mais tarde, ao cruzar-me com outro João, que andava à caça de gafanhotos, percebi que seria o deserto que me faria disponível para coisas maiores do que eu.

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