quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

A Máquina do Tempo: Um Inventário de Enganos

O nosso pensamento viaja, muitas vezes, numa absorvente máquina do tempo. Facilmente nos ausentamos da realidade para visitar histórias passadas ou imaginar episódios futuros, consequências naturais da memória e da imaginação. Mas quando nos aventuramos no misterioso plano do irreal, viajando entre passado e futuro, encontramos diversas armadilhas. Gostava de escrever um pouco sobre elas.

I. O Passado

A recordação do passado traz, inevitavelmente, a ideia de que, em vários momentos, eu poderia ter agido de forma diferente. Primeiro engano: julgar o passado à luz do que sei hoje. Hoje sou diferente - esse próprio acontecimento mudou-me. Hoje, quanto ao passado, já não existem incertezas - naquela altura, existiam muitas. Hoje, vejo calma e desinteressadamente - naquele momento tive que tomar uma decisão onde eu era parte interessada. Ao pensar "podia ter sido diferente" em jeito de culpa, estou a misturar os planos: queria ter decidido no passado com o que sei no presente. Esta é a armadilha de omitir a dinâmica do tempo.

Segundo engano: procurar uma causa para tudo o que me fez sofrer no passado. Numa sociedade tão científica, estamos habituados a que tudo siga uma lógica de causa-efeito. Perguntar "porquê?" parece-nos natural, talvez mesmo, um direito que nos assiste. Mas o nosso caminho não é uma jornada rigorosa, que possa ser analisada por um psicologismo puro de se isto então aquilo. Nem tudo o que nos acontece na vida tem uma razão. Perguntar "porque é que isto me aconteceu" e não obter resposta não quer dizer que ainda não a tenha encontrado. Pode, simplesmente querer dizer que não existe resposta. Em vez de justificativo, devo tentar ser descritivo, isto é, perceber o que me foi acontecendo sem o querer explicar. Esta é a armadilha de me paralisar numa falsa questão.

Terceiro engano: rever o passado com um olhar de carência. Quando nos falta alguma coisa no presente, e não a conseguimos encontrar aí, a máquina do tempo parece uma solução tentadora. Se olhamos o passado com esta pre-disposição, avaliamo-lo à luz da nossa dependência. "Se não tivesse tomado aquela decisão hoje não estaria sozinho" ou "desempregado" ou "sem a simpatia do meu chefe". Mas uma decisão bem tomada pode gerar maus momentos, isto é, um mal presente e temporário não implica que eu tenha decidido mal. Esta armadilha é a do olhar carente, que tira conclusões erradas.

II. O Futuro

A idealização do futuro traz consigo convites sedutores, que nos deixam ficar, por vezes, absorvidos por miragens. Primeiro engano: olhar para o futuro como um conjunto de fotografias em que eu apareço, em vez de um filme contínuo. É fácil imaginar-me feliz em determinado lugar, com certas pessoas ou em determinada posição. Mas, muitas vezes, nesta criação não existem entretantos. Só aparecem os momentos-chave, os instantes gloriosos, o clímax da história: receber um diploma, casar, ganhar as eleições. Não imaginamos o percurso que nos leva até aí; avaliamos apenas a fotografia do futuro pelo seu aspecto. Será que eu quero o filme, ou só a fotografia? Esta é a armadilha de sonhar uma não-vida.

Segundo engano: Assumir que o meu compromisso só começa no futuro. "Para o ano é que vai ser", "No próximo semestre é que me vou esforçar", ou ainda "Quando tiver isto e aquilo serei realmente feliz". E por agora, contento-me em sonhar esse estado, o que dá menos trabalho do que vivê-lo já hoje. Só que quando atingir esse isto e aquilo, vai faltar sempre mais qualquer coisa. Esta é a armadilha de diferir a felicidade.

Terceiro engano: Imaginar um futuro surreal, cheio de coisas que nunca serão possíveis. É verdade que sabe bem sonhar que podemos voar, que vivemos no Renascimento ou que somos o treinador do nosso clube de futebol. Mas quando este sonho se torna quotidiano, torna-se difícil sair daí. Um hábito que não se contraria gera uma necessidade, escreve Santo Agostinho. O presente que se começa a alimentar de ilusão e de mentira torna-se vazio. Esta é a armadilha de sonhar um futuro ilusório.
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Consciente das armadilhas da máquina do tempo, vou poder aprender as sábias lições do passado e entusiasmar-me com a preparação do futuro, sem me perder na viagem.

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