quinta-feira, 2 de abril de 2009

O Caranguejo

Certo dia, reparei num caranguejo que se passeava à beira-mar, saltitando entre um lugar e outro, cavando aqui e estacando ali, sem se perceber bem porquê. Os pequenos olhos negros sobressaíam-lhe na frágil carapaça encarnada, que reluzia sob o sol escaldante. Por vezes, demorava-se sobre a espuma fina que o mar lhe trazia, rebentando distraidamente as suas bolhas. Outras vezes, apressava-se a fugir de uma vaga mais forte da maré que começava a encher.
O caranguejo vivia no limite incerto que separa a praia do mar, não havendo maneira de se decidir. Fugia assustadamente sempre que alguém se aproximava, até mesmo de uma criança que quisesse admirar a destreza das suas patas. Nas suas estranhas caminhadas, apenas andava de lado.
Decidi seguir o caranguejo e investigar a sua vida secreta. Esperei então, escondido por detrás das rochas, que o sol se diluísse no mar e a lua subisse ao palácio de onde governa a noite. À medida que entardecia, o caranguejo ficava cada vez mais nervoso, andando para a esquerda e voltando para a direita. Por fim, a noite caíu, e a lua surgiu no céu. Inesperadamente, o caranguejo paralizou-se, com o olhar fixo no astro, que deitava o seu reflexo límpido sobre o pequeno corpo encarnado. E aí reparei que lhe caíam lágrimas de emoção dos pequenos olhos negros.
- Estive o dia todo a olhar para ti... - disse a lua.
- Não é justo! Tu podes ver-me o dia todo, mas eu tenho de esperar pela noite. Ainda por cima, às vezes amuas e ficas três dias sem aparecer. És uma lua muito má.
A lua brilhou intensamente. Poderiam contar-se todas as suas crateras e mares.
- Oh, assim não vale... - disse o caranguejo, escondendo os olhos atrás da pata.
- Sabes que eu tenho mau feitio... Vá lá, não te zangues comigo.
Ele concedeu.
- Agora conta-me mais uma vez: como é que é o fundo do mar?...
- Só depois de me dizeres como é que é o outro lado do mundo!
Ficaram a conversar durante horas, tantas quantas a noite lhes ofereceu. E por fim, quando o sol já começava a espreitar o horizonte, ele escreveu qualquer coisa na areia, com as patas, que mereceu um sorriso cúmplice da lua.
Quando a lua desapareceu, e depois de o caranguejo se ter aventurado no seu banho matinal, saltei as rochas e fui ver o que ele escrevera. Não podia acreditar:

Nada é impossível, amigo Xavier.

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