quinta-feira, 7 de maio de 2009

O Tira-Crises

- Então diga lá, homem...
O outro olhou o médico com receio.
- Eu... Sabe que... - e engasgou-se mais uns instantes - Pronto: dói-me a cabeça.
- Linear, meu caro: Paracetamol. - sentenciou o médico, pegando na caneta para escrever a receita.
- Não, você não percebeu: dói-me terrivelmente a cabeça. Dói-me sempre, impreterivelmente. Pesa chumbo, quase que ando de lado... - disse, abrindo os olhos, como que tendo uma visão - isso, isso! Ando de lado! Estou tão mal... Ah, doutor, e mal consigo dormir...
- Ah sim?... - disse o médico, chegando-se para trás na cadeira.
- Sim. E aqui à frente, também... - prosseguiu, apontando para a testa - E por vezes aqui, e já houve um dia em que...
- Hum...
- O que é que acha?
- Bem...
- É grave, doutor?... - perguntou, ancioso.
Ele franziu a cara.
- Pronto, estou acabado!
- É de uma gravidade... como dizer?...
- Ai!...
- Nula.
- O quê?!
- Absolutamente e categoricamente nula! Zero! Rien! Nada, homem!
- De certeza, doutor?...
- Sim.
- Ah...
- Você está óptimo, Teixeira.
- Estou?
- Nunca o vi tão rijo!
- Rijo!...
- Está perfeito!
- Estou mesmo perfeito! - rematou, caindo em si. - Muito obrigado, doutor! - sorriu ele, apertando freneticamente a mão do médico.
E saíu do consultório. Quando cruzava a esquina da praça, cantarolando, encontrou um velho amigo encostado à paragem do autocarro.
- Então Zé, como é que estás?
O outro respondeu-lhe com um suspiro.
- Epá, não estou grande coisa...
- A sério? Mas estás com bom ar, homem!
- Estou?... - surpreendeu-se ele - Mas sabes, não tenho nada de jeito para fazer...
- Ah sim?... Espera, não és tu que gostas tanto de escrever?
- Sou...
- Então e porque é que não tiras um tempo para escrever uma coisa à séria?
O outro hesitou.
- Pois, lá isso...
- E não eras tu que achavas muita graça a esgrima?
- Sim, esgrima é qualquer coisa!
- Então e se te inscrevesses de vez num curso?
- Olha, não era mal pensado...
O amigo fez uma pausa. E retomou, assertivo:
- Zé, tu estás cheio de coisas para fazer.
- Estou?...
- Atulhado!
- Ah!...
- Imensas coisas interessantes!...
- Imensas!
- Zé, tu até devias estar preocupado com a tua falta de tempo!
- Estou mesmo apertado! - disse, olhando para o relógio. - Olha, até logo!
E, deixando a paragem, seguiu, apressado.
Assim, o Tira-Crises foi-se espalhando pela cidade. E, ao anoitecer, todos perceberam que estavam muito melhor do que pensavam.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Imprevistos VI

Encostada a ele, ia lendo alto o último capítulo que ele escrevera para o Meeting Miss Blackberry.

Depois de agarrarem num mapa velho, olharam para o carro, e riram-se. O mini estava cheio, tão cheio que Miss Blackberry teve de entrar de uma maneira estranha.

- Ah!! Estás a chamar-me gorda! - disse Carmo, batendo-lhe com a almofada.
Ele riu-se.

Mas nada se poderá comparar àquele momento em que ela ligou o carro, em que começaram a transbordar aventura, cheios de vontade de gritar e, sobretudo, de acelarar.

- Mas vês quem sai a guiar?... - disse Carmo, triunfante.
- Isso é só Marketing. - disse ele, com um ar muito sério - Para cativar o público feminino, percebes?...
- Estúpido!

Não paravam de se rir sem saberem bem porquê. Cada vez que olhavam um para o outro, riam-se mais ainda, ao ponto de Mr ..... ter de gritar "Cuidado!", quando se aproximava um camião em sentido contrário.

- Porque é que o nome dele tem um espaço? Ainda não escolheste?
Ele abanou a cabeça. E disse:
- Adivinha quem vai escolher...

E aí, ela olhou uma última vez para ele, com aquele olhar que só ela sabia fazer e que o deixava embriagado.
- Pára o carro.
- O quê?
- Pára.
Miss Blackberry parou no meio da interminável estrada que cruza o deserto do Texas. Então, Mr .... saíu, contornou o carro, e abriu a porta dela. Rendido, encostou a cabeça à ombreira da porta e agarrou suavemente a cabeça dela. E, olhando-a nos olhos, disse-lhe, numa voz rouca: «Amo-te».

Ela sorriu, abanando a cabeça.
- Mr. Dreamer...

A Verdade

- Onde está Verdade, sabe-me Vª Exª dizer?...
- Ainda não chegou, está atrasada.
- Mentira! A Verdade nunca se atrasa. Senão, deixaria de ser Verdade.
- Compreendo. Nesse caso, estará seguramente aqui, apesar de não a vermos.