quarta-feira, 17 de junho de 2009

Jogar às Escondidas

“- Um, dois, três…
- Não vale espreitar!
- Quatro, cinco…
- Oh Teresinha, tu estás a ver!
- Seis… Está quase! Sete…
- Oh, não jogo mais!”


- Lembra-se, António? Você perdia sempre…
- Oh, Teresinha! Você é que era uma batoteira!
- E você continua um mentiroso. Hoje não almoça! Está a ficar gordo e feio.
Ele aproximou-se.
- Pois olhe que você está cada vez mais bonita…
- Seu graxista! Não almoças na mesma.
O avô riu-se.
- Passámos a vida a jogar às escondidas, não foi, Teresa?
Ela olhou ternamente para ele.
- Foi. Mas eu não pensaria duas vezes se…
Entretanto, os miúdos chegaram da escola e começaram aos saltos pela casa, invadindo-a de canções e palhaçadas. O avô aderia às brincadeiras, sorridente, enquanto a avó abanava a cabeça, endireitando as almofadas do sofá. Por fim, seguiram para a mesa. António reparou que a mulher o olhava com aquele olhar imenso que só os mais velhos sabem fazer. Ela confessou, enternecida:
- Vê o que eu lhe dizia?...
Ele pareceu confuso. Ela segredou-lhe, endireitando-lhe a camisa:
- Venha almoçar…
- Então, afinal já posso?... – perguntou ele, brincalhão.
Ela fugiu. Mas, quando já estava na saída para o jardim, onde a mesa de Verão os esperava, virou-se, e disse:
- Eu menti… Você continua tão bonito como dantes.
E saiu.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Discurso para o Dia de Portugal

Senhor Presidente da República,
Senhor Presidente da Assembleia,
Senhor Primeiro-Ministro,
Senhores Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça, do Tribunal Constitucional e dos demais Tribunais Superiores,
Antigos Presidentes da República e Presidentes da Assembleia da República,
Senhoras e Senhores Ministros,
Senhoras e Senhores Deputados,
Senhores Representantes do Corpo Diplomático,
Altas autoridades civis e militares,
Senhor Cardeal Patriarca de Lisboa, Eminência Reverendíssima,
Ilustres Convidadas e Convidados;

O dia que celebramos é um dia retrospectivo, que nos recorda os grandes feitos dos nossos antepassados. É um dia em que nos toca a grandeza da nossa história, a elevação dos homens que a fizeram e o impacto que produziram no seu tempo.

Portugal mudou o Mundo. Nas palavras do grande Luís de Camões, que também hoje recordamos, Portugal deu, inclusivamente, novos Mundos ao Mundo. A esfera armilar foi um eixo de língua portuguesa, através do qual a nossa cultura cruzou oceanos, impregnando a terra de marcas que perduram.
Neste dia, chega-nos a bravura dos nossos marinheiros, a determinação dos nossos restauradores e a destreza dos nossos missionários; ilumina-nos o espírito dos nossos visionários e a fé do nosso povo; esclarece-nos a sabedoria da tradição e a fidelidade à bandeira.
Recordamos, hoje, também os perigos e guerras esforçados, o sangue que a República derramou e as lágrimas que a Liberdade escorreu. Porque a chama de identidade que arde nos nossos corações não foi acesa por nós, mas por aqueles que nos precederam, com pesados e silenciosos sacrifícios.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Portugal é uma pátria transformacional. O vínculo do desafio, do progresso, da mudança, é-nos intrínseco.
Antecipando o Mundo, construímos a novidade; abraçando a diferença, cruzámos muitas raças; persistindo no sonho, conhecemos a liberdade.
Muitas vezes dobrámos o Cabo das Tormentas e tantas outras conversámos com a morte. Nós, portugueses, somos um povo de honra e de missão, que vela o bem-estar dos seus filhos e a dignidade da nação antes mesmo de guardar a própria vida.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Há uma voz que clama: “Renovai as obras da vossa História”. É, aliás, um coro de vozes, as vozes dos nossos antepassados, que agonizam na inércia do nosso gesto e no silêncio da nossa ideia.
O desânimo e o desinteresse têm manchado a nossa política interna. O povo, fatigado pela corrupção e pela ineficácia, afasta-se do Estado, divorciando-se das suas necessidades e questionando os seus meios. O sistema é atacado pela sua maior ameaça, o abandono, que o deixa mais frágil e mais vulnerável.

Este dia deverá então ser, sobretudo, um dia prospectivo.

O passado quer inspirar o futuro mas carece de obreiros. O vento dos tempos pretende guiar-nos, mas precisa que desfraldemos as nossas velas. O povo quer ser mobilizado, mas necessita de líderes.
A vós compete tão sublime execução. É o vosso exemplo que o povo reclama e é nas vossas palavras que o povo quer encontrar direcção. A coerência do Estado e das suas instituições é o verdadeiro instrumento de mobilização social, ainda que secreto e silencioso.

Como podereis exigir justiça, se faltardes à verdade?

Como falareis de solidariedade, se vós mesmos fordes egoístas?

Como conseguireis renovar, se fordes a imagem do vício e do hábito?

Ao cabo da Boa Esperança só se chega de mapa. As nossas embarcações precisam de rumo, o povo exige uma estratégia.
As comunidades da diáspora juntam-se a nós neste grito de unidade, que clama por governantes sábios e servidores.
A liberdade, ameaçada pela corrupção e pela miséria, subscreve a nossa exigência. E o cansaço de frustrações anteriores reveste de urgência a necessidade de uma resposta.

Unidos a todos os povos que aspiram o progresso e a justiça,
Conscientes do nosso lugar no Mundo e na História,
Certos de que a nossa causa é nobre e urgente;

Hoje, dia de Portugal e das Comunidades, erguemos a bandeira que reconstrói a história do nosso futuro.

Viva Portugal!

A Sabedoria do Homem Espiritual

Santo Efrém nasceu em Nísibe, na Mesopotâmia, por volta do ano 306. Tendo sido ordenado diácono, exerceu o ministério na sua pátria e em Edessa, de cuja escola teológica foi fundador. A sua vida de intensa ascese não o impediu de se consagrar ao apostolado da pregação e de escrever diversas obras para combater os erros do seu tempo. É uma referência na tradição oriental da Igreja; os seus escritos constituem um marco por olharem o Cristianismo longe da mentalidade greco-romana, em razão do ambiente sírio em que cresceu. Morreu no ano 373, tendo sido proclamado doutor da Igreja em 1920.

“Fazei resplandecer, Senhor, o dia luminoso da vossa ciência e dissipai as trevas nocturnas da nossa alma, para que seja iluminada e Vos sirva renovada e pura. (…)
Nós Vos pedimos que, através daquela beleza espiritual que a vossa vontade imortal faz resplandecer mesmo nas criaturas mortais, nos leveis a compreender rectamente a beleza da nossa própria dignidade. A vossa crucifixão, ó Salvador dos homens, foi o termo da vossa vida corporal: concedei-nos que, pela crucifixão do nosso espírito, alcancemos o penhor da vida espiritual. A vossa ressurreição, ó Jesus, faça crescer em nós o homem espiritual e os sinais dos vossos sacramentos no-lo revelem como num espelho, para o conhecermos cada vez melhor.Na economia da vossa salvação, ó Salvador dos homens, está configurada a imagem do mundo espiritual: concedei que nele corramos como homens espirituais. Não priveis, Senhor, a nossa mente da vossa revelação espiritual, nem afasteis dos nossos membros o calor da vossa suavidade. (…)”

In “Sermões”, Santo Efrém

segunda-feira, 8 de junho de 2009

As Falsas Oportunidades

- Aproveita… - sussurrava-lhe o diabo – Se não for agora, nunca mais!
E, levando-o em sonhos ao pináculo do templo, onde séculos antes levara Jesus, mostrava-lhe tudo o que ele poderia ter, imediatamente.
- Vamos, só tens esta oportunidade! Porque esperas? Rápido, faz!
Ouvia-se uma música nervosa.
- Olha, todos o fazem!... Não me digas que vão todos para o Inferno… - dizia, com um sorriso malicioso.
O convite era cheio de uma sedução estranha, incómoda.
- Vejamos: não é assim tão mau! Não sendo óptimo, também não é nada de dramático. Se pensares bem, até pode acabar por gerar benefícios… Vai fazer-te bem. Tu precisas disto!
O homem cheirava o engano daqueles argumentos, mas a retórica do diabo era hábil e em forma de novelo.
- Espera: não é o teu Deus que perdoa sempre? Ele há-de perdoar-te mais uma vez, então. Lembra-te do filho pródigo. Não irá ele salvar a ovelha perdida? Acaso não é cheio de misericórdia?
Depois começou a falar freneticamente, a atormentá-lo, não lhe saindo da cabeça e, sobretudo, a sussurrar-lhe: é uma fatalidade, vais acabar por ceder. Enfraquecia-o, cansando-o.
Porém, o anjo veio em seu auxílio, trazendo consigo o espírito da Verdade. E disse, referindo-se ao pecado:
- Tu queres mesmo fazer isso?
O homem pensou por uns instantes. E, caindo na conta de si mesmo, respondeu, surpreendido:
- Não.
- Lembra-te: a acção livre é fruto da vontade e não da possibilidade. Não vás para a praia se não quiseres, ainda que esteja um sol extraordinário.
Ele consentiu.
- Diz-me: essa acção é boa ou má?
Ele não se demorou sobre o assunto.
- É má.
- Lembra-te: o mal é absoluto e injustificável. Não se torna mais aceitável por existirem outros males mais graves, nem mais legítimo por muitos o fazerem. Não roubes uma pastilha só porque há quem mate.
O homem concordou.
- E agora diz-me: tu acreditas que Deus perdoa sempre os teus pecados?
Ele respondeu, com devoção:
- Sim, eu acredito.
- Ele perdoa, de verdade. Diz-me ainda outra coisa: tu amas Deus?
- Eu não sei amar; mas, através do Espírito, amo-o de verdade.
- Lembra-te então: A fidelidade é uma questão de amor e não de medo. Muitos são fiéis por medo das consequências e não por quererem o melhor para o outro. Tu, porém, sê diferente, para que a misericórdia de Deus seja motivo da tua Esperança e não razão da tua queda. Coragem!
E desapareceu. Quando o diabo voltou a falar, o homem começou a rezar baixinho:

Em Vós, Senhor, me refugio; jamais serei confundido.
pela vossa justiça salvai-me.
Inclinai para mim os vossos ouvidos;
apressai-Vos em libertar-me.
Sede a rocha do meu refúgio,
e a fortaleza da minha salvação.

Porque Vós sois a minha força e o meu refúgio,
por amor do vosso nome, guiai-me e conduzi-me.
Livrai-me da armadilha que me prepararam,
porque Vós sois o meu refúgio.
Em vossas mãos entrego o meu espírito;
Senhor, Deus fiel, salvai-me.
Detesto os que adoram ídolos falsos;
eu, por mim, confio no Senhor.
Hei-de alegrar-me e regozijar-me com a vossa misericórdia,
pois vistes a minha miséria
e conhecestes a angústia da minha alma.
Não me entregastes nas mãos do inimigo,
mas destes aos meus pés um caminho espaçoso.

Mas eu confio em Vós, Senhor;
e digo: "Vós sois o meu Deus.
O meu destino está nas vossas mãos;
livrai-me dos meus inimigos e perseguidores.
Brilhe sobre o vosso servo a luz da vossa face;
salvai-me pela vossa misericórdia."